Para Renata Ribeiro, seria um dia aparentemente normal mas rapidamente se “tornou no pior dia da minha vida”, refere ao recordar a tragédia que se abateu sobre a sua zona. Tudo começou quando foi avisada que as estradas estavam a ser cortadas devido aos incêndios que se alastravam perigosamente. “Tive que sair mais cedo do trabalho, no Marco de Canaveses e a primeira coisa que fiz foi ir buscar a Benedita, a minha filha, à ama para a trazer para perto de mim.”
Ao chegar a casa, encontrou-se com os pais e o marido, observando as chamas ao longe. “Nada fazia prever que o fogo chegasse tão depressa ao nosso terreno”, diz. Mas, às 16h30, apenas duas horas depois, o cenário mudou drasticamente. As chamas atingiram o terreno de um hectare com uma velocidade inacreditável.
Fugir e deixar tudo para trás
Sem tempo para pensar, Renata tomou a decisão mais difícil da sua vida: fugir com a filha, deixando os pais e o marido para trás. “O meu marido e os meus pais pediram-me para fugir com a Benedita. Foi o pior momento da minha vida! Gritei imenso e liguei para o 112 e para os bombeiros da zona”. O desespero aumentou quando ouviu os anexos da casa a explodir. “O meu marido teve que passar pelo meio das chamas para fugir e vir ao nosso encontro”.
“ O caminho todo são me apetecia chorar e gritar, mas tinha ao meu lado a pessoa mais importante da minha vida e tudo que eu queria era que ela não ficasse com o trauma disto tudo”.
Enquanto abandonava o local com a filha, Renata mal podia acreditar no que estava a acontecer. “Uma angústia, desespero, frustração e pânico… Tivemos que deixar a casa e deixar para trás não apenas as nossas coisas, mas a nossa família que tentou salvar pelo menos a casa”.
“Começou a arder à volta de casa. Foi tudo rápido demais. Só consegui fugir com a minha filha. Deixei tudo para trás. Tudo o que construí uma vida inteira”, relata com tristeza.
“Só consegui fugir com a minha filha. Deixei tudo para trás”
O incêndio, que se propagou com grande intensidade, não deu tempo para muitas famílias salvarem os seus pertences. “Os meus pais ficaram para trás. Quando os encontraram, estavam a tentar salvar a casa. Eles pegaram nos documentos e fugiram”, conta, ainda em choque. Várias habitações foram atingidas pelo fogo, algumas ficaram completamente destruídas.
A luta dos pais contra as chamas
Apesar do caos, os pais de Renata recusaram-se a abandonar a casa, tentando a todo custo salvar o lar da família. “Os meus pais não quiseram fugir, só queriam tentar pelo menos salvar a casa”, recorda. Uma coragem e uma determinação, capaz de lhes dar a lucidez necessária para colocaram os cães na garagem, a fim de evitar que corressem para o meio das chamas, que se tornou crucial. “Infelizmente, sabemos que muitos animais morreram, pois ouvimos os barulhos ao longe. Nós conseguimos salvar os nossos, mas eles ficaram sem a sua zona de dormir e não podem também andar à solta, pois ficamos sem vedação”.
Recomeçar do zero
O prejuízo financeiro é significativo. “Achamos que mais de 40.000€ foi o nosso prejuízo e é o valor que necessitamos para recomeçar”. A reconstrução não será fácil. “Temos que tratar de toda a vedação, tratar da zona de anexos para criarmos condições novamente para os cães, limpar todo o terreno. Vai ser muito difícil de recuperar tudo isso e ainda mais todas as plantações que tínhamos”.
A devastação não se limitou apenas à propriedade de Renata. “Na nossa zona, sei que, tal como nós, muita gente ficou com bastante prejuízo.” A paisagem antes verde e cheia de vida transformou-se num terreno cinzento e destruído. “O nosso terreno era lindo! Tínhamos imensas árvores de fruto, era a vida do meu pai! Foi lá que eu e a minha irmã nascemos e fomos criadas. De uma zona verde linda passou para uma zona cinza toda destruída”.
O futuro agora é incerto. “Quando regressar a casa já nada será igual. A minha filha não poderá apanhar flores, não poderá dar passeios”, diz, emocionada, ao relembrar as memórias felizes da sua família naquele espaço.
A mensagem de coragem
Apesar de toda a tragédia, Renata deixa uma mensagem de esperança e coragem para quem possa enfrentar uma situação semelhante. “Não fiquem para trás. Para mim foi um pesadelo estar sem saber dos meus pais mais de 30 minutos… foi o pior sentimento que já senti. Temos que ter coragem! Coragem para pensar no que é mais importante naquele momento que, sem dúvida, é a nossa vida”.
Renata e a sua família enfrentam agora o desafio de reconstruir a vida num cenário devastador. A dor de deixar tudo para trás é profunda, mas a força para recomeçar é maior. “Deixar tudo para trás não é fácil, é das piores coisas que existe. Só de imaginar que perdermos muito do que conquistamos aos poucos sentimos uma angústia enorme. E claro que o medo de recomeçar vem ao de cima”.
Com a esperança de que dias melhores virão, Renata Ribeiro simboliza a resiliência de quem enfrenta as adversidades com determinação, mantendo viva a chama da coragem, mesmo em meio às chamas da tragédia.