Artigo de Opinião | O Erro de Damásio

NELSON | NOVUM CANAL
António Damásio é um reputado neurocientista Português que dedica a sua vida ao estudo do cérebro Humano. Com quase 80 anos, Damásio vive há várias décadas nos Estados Unidos da América, tendo trabalhado nas mais reputadas instituições Americanas e ficou mundialmente conhecido pelo seu livro “O Erro de Descartes”.

Neste livro, Damásio contraria a visão de René Descartes e a célebre frase “Penso, logo existo”, atribuindo à racionalidade, à biologia e ao “corpo humano” uma maior centralidade que Descartes não postulava.

Esta breve introdução serve para explicar o título que escolhi para este artigo. António Damásio aceitou em 2016 o convite do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para ser Conselheiro de Estado que, como todos sabem, é um cargo não remunerado, de aconselhamento ao Presidente da Republica e que reúne em casos absolutamente excecionais.

O afamado Neurocientista, ao aceitar o convite de Marcelo Rebelo de Sousa, cometeu um erro. Um erro que cada vez mais pessoas não querem cometer e que, se nada fizermos, muitos mais vão recusar – pertencer a qualquer movimento, órgão, instituição política, sob pena de ver a sua privacidade completamente dilacerada pelo voyerismo constante da imprensa e dos comentadores de serviço, do alto da sua postura impoluta de polícias do sistema Democrático.

Damásio não é, nunca foi e certamente nunca será político. Não quis, não quer, nem tem aspirações a tal. Damásio foi “chateado” pelo Presidente da República para dar um contributo desprendido à causa pública, servindo-se do seu valor e reconhecimento mundial para dar algo pela sua pátria.

E o que nós retribuímos para agradecer este gesto altruísta? Como aceitou exercer um cargo que se poderá considerar político, a lei obriga a entregar ao Tribunal Constitucional a declaração de património e rendimentos onde deve constar “a indicação total dos rendimentos brutos, com indicação da sua fonte”, “a descrição dos elementos do seu ativo patrimonial que seja possuidor” e “todo o património imobiliário, participações em capital social de empresas, carteiras de títulos, contas bancárias a prazo, aplicações financeiras e, caso superem o valor de 50 salários mínimos nacionais, contas bancárias à ordem e direitos de crédito”.

Tudo isto para conhecimento público!

António Damásio, negou-se desde o início a apresentar esta declaração, alegando ainda para mais, que tem dupla nacionalidade e bens fora do território nacional (onde reside) e, por conseguinte foi obrigado a renunciar ao cargo por razões… “pessoais”.

Mas o assunto não termina aqui! Por não ter apresentado a declaração, o problema não fica resolvido com a sua renúncia… ainda conseguimos ir mais além nesta perseguição. Segundo o Diário de Notícias, a Lei 4/2022 indica que a “não apresentação da respetiva declaração é punível como crime de desobediência qualificada” e poderá ter como pena o a impossibilidade de desempenhar cargos políticos por um período de um a cinco anos.

Concordo que os detentores de cargos políticos tenham de apresentar estas declarações, como já acontece, até porque se torna simples para as entidades judiciais verificar situações de enriquecimento ilícito, mas irmos ao ponto de obrigar pessoas estão sossegadas, que o poder público vai “incomodar” para que possam dar um singelo contributo face às suas capacidades e prestígio e, ainda por cima, colocamo-os nas bocas do mundo e a serem falados pelas piores razões, é absolutamente execrável.

Numa altura em que é tão bom para alguns setores da sociedade que se contamine a opinião pública de que todos os que estão na política são corruptos e ladrões, mesmo que depois da sua vida estragada sejam absolvidos ou nem sequer sejam acusados pelos Tribunais (como tem vindo a acontecer quase diariamente) e fazermos isto a uma pessoa como António Damásio, é sintomático do estado a que chegamos.

Infelizmente, meter-se na política foi o Erro de Damásio.

Por: Nelson Oliveira