“Mataram-me a filha, não me afastem do neto”

Chama-se Maria Cidália Martins. Tem 66 anos e um olhar cansado de ver, o que quer e o que não quer. E nos últimos 4 anos, os seus olhos viram o que ninguém quer ver.

Em 2019 a sua filha Sónia foi assassinada, deixando dois filhos órfãos. Hoje o neto mais novo, de sete anos, vive a quilómetro e meio da sua residência, mas os convívios são cada vez mais escassos.

Uma história com contornos difíceis, para esta sexagenária de Felgueiras, que começou a 28 de maio de 2019, quando recebeu a notícia que a sua filha, Sónia Leite, de 38 anos, tinha sido assassinada pelo seu ex-companheiro, à porta de uma pastelaria, no concelho de Amarante.

Sónia Leite era mãe de 2 filhos, uma jovem de 17 anos e um menino de três, filho do homicida, de quem se teria separado há cerca de um ano. Ciúmes terá sido a palavra que “puxou o gatilho” para matar Sónia e o seu namorado. O autor do duplo homicídio foi condenado a pena máxima.

Mas a dor desta mulher, para além do indiscritível sofrimento pela morte da filha, intensificou-se com o problemático processo em torno da guarda do neto, agora com sete anos.

Contou-nos que na sequência do homicídio da sua filha, os netos ficaram à sua guarda durante dois meses. Acontece que após a sinalização da situação, os dois irmãos ficariam a residir com um tio da jovem, irmão do seu pai, por este se encontrar no estrangeiro. Embora não exista qualquer relação consanguínea com o menino, que na altura tinha 3 anos, o tribunal considerou importante não separar os irmãos. Apesar de muito pensar sobre “o superior interesse da criança”, Maria Martins não entende porque não ficaram os netos consigo, sendo sua convicção que esse seria o desejo da filha.

Maria Martins e o seu marido, Joaquim Dias Leite, não contavam com o que se seguiu quando se viram envolvidos num processo tutelar comum, a correr termos no Tribunal de Família e Menores de Paredes, onde foram ouvidos os menores, os tios paternos da neta e os avós maternos.

No final, foi assinado um acordo entre todos os intervenientes, para aplicação ao menor João Lucas, da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa idónea a executar junto dos tios paternos da jovem, com quem passou a residir, juntamente com o seu irmão, com acompanhamento regular da Segurança Social.

Em novembro de 2022, foi homologado um acordo provisório sobre o convívio dos avós maternos com o neto menor, uma vez que a neta já era maior de idade.

Neste acordo, foram determinadas visitas supervisionadas estabelecidas pela segurança social, no âmbito do projeto Espaço Família.

Maria Martins sente-se revoltada pelo facto de poder estar com o neto apenas de 15 em 15 dias, sob vigilância de técnicos da Segurança Social e numa sala do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, em Paredes, onde está localizado o Tribunal de Família e Menores.

Ou seja, para poder ver João Lucas, tem de se deslocar a Paredes quando a criança vive a pouco mais de mil metros da sua habitação, em Longra, Felgueiras.

Entre tristeza e angústia, Maria Martins sente um enorme desgosto por ver o tempo passar, o neto a crescer e a sua vida a ficar cada vez mais curta e esclarece que nunca quis retirar a criança da família onde está integrada. Pelo contrário, sabe que está bem, mas quer poder conviver mais vezes com o neto e com outra intimidade, sem que haja necessidade de supervisão de técnicos.

Maria Martins sente-se revoltada e diz que apesar de todos os esforços processuais, quer junto do Tribunal de Família e Menores, quer junto da Segurança Social para conseguir ter um relacionamento mais estreito com o neto, tal tem-se mostrado, por enquanto, irrealizável.

Entretanto, Joela Guimarães Soares, nomeada pela Ordem dos Advogados para patrocinar Maria Cidália Martins e o marido, neste processo tutelar comum, tem juntado requerimentos aos autos a sugerir que o local das visitas possa ocorrer em Felgueiras, atendendo a que os avós não dispõem de veículo próprio, nem de transporte público próximo.

O objetivo, segundo a advogada, é que a convivência entre avós e neto seja tão frequente e constante quanto possível, caso contrário, “o superior interesse da criança estará a ser posto em causa”.

Lembra, por isso, o relatório social da equipa técnica da Segurança Social que é favorável à concretização dos anseios dos avós maternos de João Lucas, mas, sublinha que este “é um processo recente pelo que a alteração ao regime de visitas está dependente da materialização de determinadas burocracias”.

Olga Pinto e o seu marido, tios paternos da jovem, a quem foi confiada a guarda do menor, nada têm a opor quanto à alteração do regime de visitas.

Aliás, Olga Pinto afirma que também para si é um transtorno ter que se deslocar a Paredes de 15 em 15 dias, às sextas-feiras, dia em que João Lucas é obrigado a faltar a duas aulas de Educação Física, a disciplina que mais gosta.

Olga Pinto acrescenta que era melhor que as visitas fossem em Felgueiras e numa casa, não numa sala, sem privacidade a criar obstáculos ao que se pretende: a proximidade entre avós e neto.

Entretanto o Novum Canal contactou a equipa técnica da Segurança Social que está a acompanhar o caso. Fomos remetidos para o setor de assessoria técnica aos tribunais e aguardamos esclarecimentos sobre o ponto da situação e das diligências que estão a ser efetuadas no sentido de dar resposta aos anseios destes avós.

Qualquer desenvolvimento sobre este assunto, será acompanhado pelo Novum Canal. Uma coisa é certa. É sempre possível encurtar distâncias.