E tudo ficou adiado para o dia 28 de maio. Se para muitos era o cenário mais provável, agora está confirmado: Erdogan e Kılıçdaroğlu vão mesmo a uma segunda volta. Mas, mais do que a chegada à segunda volta, a balança que parecia pender para o candidato da oposição está agora nas mãos de Erdogan, que parece ser a mais forte opção para (re)conquistar o lugar que neste momento lhe pertence.
O anúncio de uma segunda volta nas eleições turcas foi o culminar de um longo fim-de-semana no país transcontinental. Os olhos atentos às eleições turcas eram hoje mais do que nunca, não tivesse o país um papel assumido e influente em diversas crises geopolíticas pelo globo.
A coligação de 6 partidos que Kılıçdaroğlu liderava parecia bem lançada para uma vitória na primeira volta. A crise da lira turca, os efeitos económicos no país e a recente tragédia em Hatay e a forma como a mesma foi gerida pelo governo de Erdogan parecia garantir a especialistas e académicos turcos a vitória de Kılıçdaroğlu. A realidade contrasta com a previsão: não só Kılıçdaroğlu não ganhou como recebeu menos votos que Erdogan, que ficou a menos de 0,5% dos votos de ganhar numa primeira volta as eleições.
Mas o que levou tantos especialistas, académicos e conhecedores ávidos da política turca a falhar de forma tão clara? Uma conjugação de burburinho mediático e o poder da figura de Recep Tayip Erdogan são, pelo menos, uma parte significativa da explicação.
Com quase 20 anos de poder, Erdogan tem feito um caminho de assegurar que os setores chave a nível político estão nas mãos de aliados próximos. É um facto que um ambiente mediático favorável e a propagação de um discurso conflituante sobre a identidade nacional ajudaram Erdogan. Os media turcos sempre afastaram a possibilidade de uma vitória clara de Kılıçdaroğlu, algo que parecia contrariar as sondagens, praticamente unânimes, que davam a vitória na primeira volta a Erdogan.
Há ainda um fator interessante a considerar e que não é uma discussão nova na política internacional. Afinal, com que bases votam os eleitores num determinado candidato em detrimento do outro?
A ideia ocidental leva-nos a querer que o interesse económico é o principal elemento que nos leva a uma determinada votação. O dinheiro disponível ao final do mês e o crescimento do país dominam os discursos políticos em Portugal, por exemplo.
Mas em países com dinâmicas identitárias internas fortes tal pode não ser o caso. A identidade dos muçulmanos turcos e tudo o que Erdogan fez para reforçar o papel dos mesmos na sociedade e na política turca são fatores muito relevantes a considerar nesta que é a sua base de eleitorado mais forte.
É difícil ignorar que Erdogan não aparentava estar no melhor dos timings para ir a eleições. Aliás, esse era um dos argumentos mais fortes daqueles que defendiam a vitória de Kılıçdaroğlu numa primeira volta. Mas será que a conjuntura tem assim tanta influência na política turca como podemos pensar?
Não é de descurar que não só de erros de cálculo das sondagens se faz a chegada a esta segunda volta. Como era de esperar, as acusações de fraude eleitoral no país já se fazem sentir e não serão apagadas tão cedo. Desde uma contagem inflacionada dos votos para o AKP e Erdogan até às limitações à liberdade de expressão na campanha eleitoral, não faltarão argumentos para questionar a hedoneidade deste ato eleitoral.
E, se há uma lição que podemos tirar tanto desta como de outras eleições um pouco pelo mundo todo, é que o ato de realizar sondagens é cada vez mais complexo.
A multiplicidade de meios e métodos de comunicação, as “mensagens” instantâneas e a complexidade de assuntos que o eleitor tem que ter em conta na altura de ir às urnas tornam o ato de elaborar sondagens uma missão ingrata para as empresas e universidades que empregam essa função.
Não será fácil, mas é urgente tentar aprimorar os modelos matemáticos que levam às sondagens que durante tantos anos foram o nosso barómetro eleitoral, sob o risco de, se tal não for feito, a credibilidade das previsões eleitorais cair num poço sem fundo à vista.
Em suma, as eleições na Turquia são apenas um exemplo da complexidade política e geopolítica que vivemos hoje em dia. Não, não é a primeira vez (nem será a última) que existiram sondagens a falhar os resultados. Não, não é a primeira vez que um candidato tem um poder relevante sobre as estruturas mediáticas do seu país e com isso obtém vantagens nas eleições.
Mas é hoje mais relevante que nunca repensar como olhamos para as eleições de países distantes da nossa realidade. Compreender as causas, os efeitos e as tendências que se escondem a olhos vistos é cada vez mais importante para fazer leituras geopolíticas o mais próximo da realidade possível.
Por: Miguel Ferreira