O ano de 2022 será um daqueles que irá ocupar algumas páginas dos livros de história no futuro: desde a invasão russa à Ucrânia, que invariavelmente marca o ano, até aos tumultos no Irão, à visita de Pelosi a Taiwan e o reacender das tensões diplomáticas entre o EUA e a China, ou à viragem à esquerda da América do Sul, o ano foi profícuo em eventos de cariz internacional. Mas o que 2022 anunciou, 2023 pode não concluir. Que eventos se irão manter e fazer manchetes no ano vindouro?
O advento da Covid-19 marcou um dos maiores desafios à escala mundial que o século XXI havia vivido. Com a crescente taxa de vacinação e a menor mortalidade associada a essa mesma imunização, o fim do ano de 2021 e a viragem para 2022 anunciavam um melhor presságio. As restrições associadas à contenção pandémica estavam lentamente a ser levantadas e ventos de bonança adivinhavam-se para a economia mundial, que bem precisava de um balão de oxigénio.
Mas eis que 2022 começa com o maior evento geopolítico do século até então: a guerra voltava a solo europeu. A invasão da Rússia à Ucrânia marcou invariavelmente o ano de 2022, reacendendo os fantasmas da guerra e colocando um sério teste à unidade da União Europeia, da NATO, das relações euro-americanas e das democracias ocidentais. Mas não só do leste da Europa vieram desenvolvimentos significativos: também do Médio Oriente, da Ásia e de África se fizeram sentir ondas de rebuliço geopolítico.
O horizonte temporal de eventos na geopolítica raramente se cinge a um período delimitado de tempo. Sabemos o início formal do episódio, mas o fim é raramente anunciado e dificilmente previsível, sendo que hoje os eventos desenvolvem-se cada vez menos ao sabor das partes envolvidas e cada vez mais são envoltos numa teia multilateral diplomática difícil de resolver de forma ágil.
É sobre este prisma de pensamento que podemos afirmar, com um grau de certeza elevado, que os 3 eventos que abaixo se seguem vão, de uma forma ou de outra, influenciar a geopolítica internacional nos próximos 12 meses.
O desafio à Républica Islâmica: que Irão teremos em 2023?
Mahsa Amini. Este não é o nome de uma grande magnata, uma política influente ou uma estrela de cinema. É o nome da jovem curda que foi morta pela “polícia da moralidade” iraniana por não usar o hijab corretamente. A jovem de 22 anos viria a tornar-se uma mártir da repressão do regime iraniano, abrindo caminho para protestos de uma magnitude não antes vista, desde a proclamação da Républica Islâmica, em 1979. Estes protestos não se resumem à repressão sobre as mulheres no país, vão ao encontro também de uma economia estagnada, de níveis de corrupção altíssimos e de uma governação marcada pela desigualdade crescente na sociedade iraniana.
As forças do regime responderam com a fórmula que resolveu protestos passados, utilizando uma repressão forte e agressiva sobre os protestantes, esperando que os mesmos se dissipassem rapidamente. No entanto, o que se observa no terreno é precisamente o oposto, com a força dos protestos a alastrar-se e a crescer de dia para dia.
O timing destes protestos não poderia ter vindo em pior altura, com a Républica Islâmica a negociar um novo acordo nuclear e a tentar reduzir o pesado fardo económico das sanções vindas do Ocidente.
Será curioso perceber o que 2023 reservará para o regime iraniano: existirá a Républica Islâmica do Irão como a conhecemos no período imediatamente após os protestos? A intervenção externa irá sentir-se perante um previsível arrastar da situação? Ali Khamenei aguentará a sua liderança em 2023 ou irá sucumbir perante a doença que alegadamente afeta o Líder Supremo de 83 anos? E que ondas de choque poderá a sua morte levantar? Serão os problemas em solo nacional um estímulo para um Irão mais agressivo em solo estrangeiro?
São questões que importa entender. 2023 poderá ou não ter as respostas a todas elas, mas com certeza irá pintar-nos um caminho mais claro sobre o futuro da nação iraniana.
Taiwan: a pedra no sapato de Xi Jinping
Xi Jinping nunca escondeu que há uma peça da pátria chinesa que ainda não foi colocada no puzzle da China pela qual anseia: essa peça é Taiwan. A tão desejada reunificação da RP China com todos os territórios que a compõem (de acordo com o PCC) não teve nem tem uma data definida, mas a pressão do início de um novo mandato para Xi Jinping e a posição mais proativa e menos reativa dos EUA na defesa da integridade territorial de Taiwan levanta questões sobre o futuro próximo.
Apesar de parecer improvável a reconquista de Taiwan, devido à onda de choque que causaria economicamente e à possibilidade de abrir uma frente de conflito entre as duas maiores potências económicas e militares mundiais, alguns especialistas afirmam que não é de todo de pôr de parte a possibilidade de invasão da ilha por parte da RP China.
A visita de Nancy Pelosi a Taiwan e as palavras de Joe Biden sobre a defesa inequívoca em caso de invasão chinesa foram vistas como provocação em Beijing, que usou o elemento provocador americano como forma de estender a sua pressão sobre a ilha, aumentando o número de testes militares e aproximando perigosamente as suas unidades navais de solo taiwanês.
De novo, 2023 poderá trazer (ou não) respostas para perguntas antigas: Até onde poderá a corda ser esticada nas relações sino-americanas em relação a Taiwan? Como irá Xi Jinping navegar um assunto tão delicado a nível externo com uma RP China recheada de desafios internos? Iremos ter um desfecho armado para a questão de Taiwan? E se sim, irão os EUA acudir Taiwan como Joe Biden afirmou? E qual o custo político, económico e militar desse apoio?
Se 2023 for como 2022 (e 2021), provavelmente estas questões irão arrastar-se para o ano de 2024. Mas a cada ano que passa o relógio para a reunificação de “uma só China” continua a andar e, com ele, a pressão para Xi Jinping concluir a sua tão prometida reunificação.
A guerra na Ucrânia: com 1 ano de conflito à porta, o que nos reserva 2023?
24 de fevereiro de 2022 marca um ponto de viragem na geopolítica europeia. O clima de paz aparentemente inabalável no Velho Continente termina com a invasão de Putin à Ucrânia, iniciando um conflito armado que se estende até aos dias de hoje e sem data de término à vista. Desde a morte de milhares de soldados de ambos os lados, a uma enorme crise humanitária na Ucrânia, os efeitos têm sido nefastos para as duas partes envolvidas, mas não se cingem ao perímetro bilateral de Rússia e Ucrânia. A Europa vê-se a braços com uma crise energética, a economia mundial sente as pressões inflacionárias de um novo golpe económico e as instituições internacionais são forçadas a navegar um mapa geopolítico altamente volátil.
Perante o ato bélico de Putin, as instituições internacionais ocidentais têm demonstrado uma unidade assinalável, mas não garantida. Se os pacotes de sanções à Rússia e o apoio militar à Ucrânia têm sido um dado adquirido nos últimos meses, o arrastar do conflito coloca questões sobre se esta unidade será forte o suficiente para aguentar o apoio em caso de conflito prolongado.
2023 tem alguns pontos de interrogação a resolver: Teremos um fim à vista no conflito? Quais as condições para as duas partes (Rússia e Ucrânia) se sentarem à mesa das negociações? E se houver negociações, quem as irá mediar? Até quando o apoio ocidental se irá manter à Ucrânia? E qual o limite desse mesmo apoio perante as ambições militares da Ucrânia?
É talvez na guerra na Ucrânia que se centram algumas das questões geopolíticas que exigem uma resposta mais atempada. É também aqui que elas parecem mais difíceis de resolver.
É importante referir que o exercício aqui realizado não pretende ser visto como futurologia geopolítica. Pretende sim ser visto como um exercício de reflexão estratégica, face aos dados do presente e possíveis desfechos do futuro de situações geopolíticas vigentes atualmente.
Com certeza, não iremos ter um 2023 marcado unicamente por estes 3 tópicos, e podíamos estar aqui horas a debater que outros assuntos mereceriam destaque neste breve artigo. Mas, face àquilo que sabemos hoje e o pouco que podemos antecipar, com certeza estes três assuntos irão fazer correr muita tinta na imprensa internacional e dar muitas dores de cabeça aos líderes internacionais um pouco por todo o mundo.
Por: Miguel Ferreira