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Artigo de Opinião | Uma corrida até ao último voto: um Brasil dividido e com um pós-eleição complexo

A segunda volta das eleições no Brasil está na reta final e as campanhas de Lula e Bolsonaro dão os últimos passos na corrida a Brasília. É sobre o fantasma de um empate técnico que as duas campanhas encaram os dias finais, num Brasil polarizado e que vê nas opções eleitorais não as respostas que pretendiam, mas as respostas possíveis aos problemas de uma das maiores economias da América Latina.

As eleições brasileiras nunca enganaram: o regresso de Lula ao cenário político depois de um longo período em frente da justiça repleto de reviravoltas e turbulência acrescentava a um Brasil já dividido entre o “pró-Bolsonarismo” e o “anti-Bolsonarismo”.

A onda conservadora de extrema direita personificada em Jair Bolsonaro apresentou uma robustez significativa na primeira volta das eleições, ainda para mais quando a presidência de Bolsonaro não foi propriamente pacífica. Do orçamento secreto à gestão pandémica que levou o Brasil a ter o segundo maior número de mortes pela doença apenas atrás dos Estados Unidos, Bolsonaro parecia caminhar numa corda muito estreita e as sondagens assim o confirmavam.

Mas tal e qual o que aconteceu com Donald Trump nos Estados Unidos, o voto oculto acabou por ser impercetível para as sondagens e crucial para a eleição. Mas ao contrário daquilo que é o sistema eleitoral americano, a ausência de uma maioria absoluta de Lula da Silva dá mais uma vida política a Bolsonaro, abrindo ainda mais o fosso de polarização política já existente no Brasil.

Apesar de Lula apresentar um ligeiro favoritismo à vitória na segunda volta, as últimas sondagens apontavam para um empate técnico ou para diferenças no limite da margem de erro. E, mesmo que Lula vença como o ligeiro favoritismo aponta, a dificuldade para governar será enorme, em particular em questões de foro interno como o combate à desflorestação da Amazónia ou o reerguer da economia brasileira.

A onda de extrema-direita no Brasil tem muitos paralelos pelo mundo democrático afora: Hungria, Itália e Estados Unidos são apenas alguns dos exemplos do crescimento dos extremos na política mundial.

Duas campanhas díspares

Sem querer entrar em detalhe numa análise pormenorizada das campanhas, importa perceber o contexto no qual as mesmas se enquadram.

A campanha de Bolsonaro tinha que enfrentar uma série de desafios ligados à sua governação prévia: as mais de 650 mil mortes pela COVID-19 eram um dos maiores roadblocks a enfrentar, ao qual se acrescentava um tema que é muito querido e próximo do povo brasileiro: os números da pobreza no país. Apesar de alguns setores económicos terem beneficiado claramente com a governação de Bolsonaro, o número daqueles em situação de fome ou insegurança alimentar quase que duplicaram de acordo com estatísticas credíveis vindas do país, levantando o véu sobre uma política económica que não conseguiu melhorar uma das suas facetas mais feias.

A opção de Bolsonaro seria inevitavelmente afastar a campanha do espetro da política pública e da sua governação e apostar numa campanha que está perfeitamente descrita no seu slogan: “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”. A comunidade evangélica cristã era uma base essencial para mobilizar, daí que um possível erro de cálculo face ao eleitorado evangélico poderia dar uma derrota esmagadora a Bolsonaro. Posições anti-aborto, contra a comunidade LGBTQIA+ e outros assuntos próximos do eleitorado conservador e ultraconservador afirmaram-se como temas cruciais da campanha do homem também conhecido pelo “Trump dos trópicos” por alguns.

Lula encontrava nas fraquezas de Bolsonaro a força da sua campanha: a prosperidade do início do século que fez a economia brasileira crescer a alto ritmo e a pobreza cair serviam de base para apresentar credenciais na área económica e criticar Bolsonaro por não ter feito o mesmo. Era preciso também compreender as fragilidades a nu que Lula encontrava: os escândalos legais e as longas maratonas judiciais que foram alvo de ampla cobertura mediática no Brasil eram a fraqueza do candidato do PT, e Bolsonaro sabia que explorar as mesmas eram a chave para enfraquecer Lula.

Curiosamente, Lula começa com uma força notável nas sondagens. Durante um longo período de tempo, as sondagens davam uma vitória à primeira volta para Lula, algumas dando até derrotas possivelmente esmagadoras para Bolsonaro. A realidade é que a distância foi-se encurtando até ao ponto em que estamos hoje: uma segunda volta com hipóteses reais de vitória de qualquer um dos lados.

Lula enfrenta pela primeira vez um candidato com a capacidade de polarização de Bolsonaro: a sua campanha vencedora de há 20 anos atrás tinha como principal candidato um ex-ministro da saúde ligado ao centro. Nunca a polarização no Brasil fora tanto, nem as distâncias entre os candidatos haviam sido maiores.

Esta eleição não surge como uma novidade para os mais atentos à esfera política mundial: a disfunção social e económica levam o eleitorado a tender para soluções simples de compreender à luz de desafios difíceis de solucionar. E, quer se seja apoiante ou não, uma coisa é certa: Bolsonaro e a extrema direita estão para ficar no Brasil, independentemente do resultado das eleições.

As dificuldades de governação que se avizinham no caso de uma vitória de Lula

A agenda mais moderna e distante dos pressupostos conservadores de Lula e do PT não terão clientes fáceis no organigrama político brasileiro. Ambas as câmaras do Congresso serão dominadas por membros do Partido Liberal afeto a Bolsonaro, assim como os seus aliados dominam os três estados mais populosos do Brasil.

Também na vizinhança as coisas podem estar a dificultar-se, estando um pouco por toda a América Latina a surgirem movimentos muito parecidos com aqueles que surgiram com o Trumpismo, com homens ligados a setores económicos e com histórico reconhecido no mundo empresarial a encarnarem valores conservadores e a capturarem um eleitorado cansado das tradicionais soluções políticas moderadas. A legitimização de Bolsonaro e do Partido Liberal por peças importantes do xadrez político internacional também são um item a ter em conta.

Depois existe ainda a questão de como irá Lula governar num ecossistema político desta dimensão, com um Congresso muitas vezes hostil e caraterizado por uma base de oposição política feroz e polarizadora. As medidas bandeira da campanha como são o combate inequívoco à desflorestação da Amazónia ou o combate à pobreza exigiram medidas em larga escala para as quais o apoio do Congresso é absolutamente fulcral. Qual o grau de cedências que Lula estará disposto a aceitar num panorama desta dimensão? Estará Lula disposto a abdicar de alguns princípios da sua doutrina económica para responder a, por exemplo, reformas à muito desejadas por investidores ou não haverá abertura para tal? São questões onde a especulação não ajuda.

Um Brasil dividido

Qualquer que seja o resultado de dia 30 de setembro, não há como esconder que um dos primeiros e primordiais desafios do novo Presidente serão unificar o Brasil. E não só o Brasil ligado ao seu rival nestas eleições; também o Brasil ao centro, “preso” entre duas soluções políticas que de todo não respondem aos destinos que imaginavam para um Brasil moderado estarão à espera de ouvir do Presidente respostas para os problemas que vão de encontro à moderação que pretendem.

Em suma, o Brasil está polarizado entre dois candidatos que não respondem aos desejos de uma parte significativa do eleitorado. Mas um Presidente é para toda a sociedade, e governar uma sociedade polarizada é com certeza o maior desafio de Lula ou Bolsonaro, seja qual for o eleito para ocupar o cargo político mais cobiçado de Brasília.

Por: Miguel Ferreira

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