O regresso às aulas está a ser controverso.
O novo ano letivo arrancou já em algumas escolas, mas a abertura decorre em todo o país até dia 16 nos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
A abertura está marcada pela falta de professores e a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) estima que entre 55 mil a 60 mil alunos não terão os professores todos.
O secretário de estado da educação, António Leite, que presidiu à cerimónia de enceramento das IX Jornadas da Educação, em Lousada, declarou que há e não há falta de professores nas escolas.
No dia 13 deste mês, na abertura do ano letivo, o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, na conferência de imprensa de abertura do ano letivo 2022/2023, revelou que a falta de professores extravasa a mera questão do regime de concursos ser nacional ou local, estando, antes, relacionado com a efetiva falta de professores.
Mário Nogueira criticou, ainda, o que considera ser a “intolerável a contínua desvalorização da profissão e o agravamento das condições de vida dos professores”.
A presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Mariana Carvalho, em declarações ao Novum Canal, apontou o aumento dos custos dos bens essências e do combustível como fatores que estão a pesar no orçamento das famílias, de uma forma geral.

“As famílias estão a ver as suas economias afetadas. Existe um aumento dos custos a todos os níveis e isso terá consequências nas famílias com crianças em idades escolar, com a aquisição dos manuais e demais material escolar. Existem apoios que são dados a essas famílias, mas são baseados no IRS que diz respeito ao ano anterior e isso pode não estar ajustado à realidade que os agregados possam viver atualmente”, disse, recordando que a guerra na Ucrânia, a incerteza quanto ao futuro está a gerar instabilidade nas famílias.
Mariana Carvalho reconheceu, ainda, que a falta de docentes é, também, um problema que afeta pais e encarregados de educação.
“Sabemos que existem falta de professores em determinadas zonas do país e isto entronca com a carreira docente. Gostaríamos que não existisse falta de professores no arranque do ano letivo e que todos os alunos tivessem aulas. Da maneira como as coisas estão, sabemos que isso torna-se difícil. Estão a ser criadas medidas e acreditamos que o Governo está atento a esta realidade”, avançou, esclarecendo que a Confap não dispõe ainda de números que permitam perceber qual o número de professores em falta neste arranque letivo.

“Os números que conhecemos são os que nos vão dizendo e chegam à confederação, mas qualquer valor é preocupante. Os alunos não podem iniciar o ano letivo sem professores. Entendemos que deve haver um período de adaptação, muitos professores souberam da sua colocação no dia 01 de agosto, muitos têm de se deslocar. Se conseguirmos antecipar estas questões, se os professores souberem onde vão ficar, ou se conseguirmos manter os professores no mesmo lugar torna-se mais fácil. Se os docentes tiverem contratos e estiverem próximos das suas famílias vão estar mais motivados. Queremos que toda a comunidade educativa esteja bem porque isso reflete-se na qualidade do ensino”, expressou, reconhecendo que a confederação vai-se apercebendo que existem professores e alunos desmotivados.
“Gostava de chamar aos professores encantadores de crianças e jovens. Não basta apenas ensinar, tem de haver vontade de aprender. Se conseguíssemos conjugar estas duas realidades era tudo muito mais fácil. Percebemos que os professores estão cansados, mas esta é uma realidade geral. Estamos exaustos, saímos de uma pandemia, estamos a enfrentar uma guerra, com aumentos dos preços e estamos todos a viver uma vida de incerteza e não conseguimos gerir esta dimensão emocional”, adiantou.
Francisco Gonçalves, adjunto do Secretário-Geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), assumiu que os tais 55 a 60 mil docentes em falta neste início do ano letivo constituem uma realidade preocupante que poderá agravar-se.

“O ministro da Educação tem procurado desviar a atenção do problema, colocando aspetos laterais a esta a questão, nomeadamente as baixas médicas dos professores, mas, de facto, há um aspeto crucial que tem a ver com o número de professores habilitados para o exercício da profissão, que ficaram desempregados em 2012/13 e que deixaram a profissão. Se a estes juntarmos os que não são colocados ao longo das várias fases do processo de concurso estamos a falar de um número significativo de professores que chegavam para suprir as dificuldades que o país tem em matéria de ensino”, esclareceu, salientando que muitos destes docentes que não estão a exercer a sua atividade discordam das condições que lhes são oferecidas pelo Ministério da Educação, pelo que não concorrem para os locais onde essa necessidade existe.
“Este problema tem de ser enfrentado assim como a melhoria da atratividade da profissão e é isso que não tem sido feito e está-se a procurar através de medidas avulsas, desviar as atenções, procurado evidenciar que o problema está a ser resolvido, mas de facto do ponto de vista estrutural o problema não está resolvido e nas próximas semanas iremos ter um agravamento deste problema”, afirmou.
“Há professores habilitados para o exercício da profissão, mas não há professores nas escolas para exercer essas funções. Existem zonas de maior procura e menor procura. Para um professor contratado, que tenha de ir trabalhar para Lisboa, com um salário ligeiramente superior a mil euros e que tenha uma oferta de trabalho 100 ou 200 euros mais baixa, perto da sua residência, mais a norte, obviamente que tendo em conta todos os custos acaba por não querer preencher um horário, em Lisboa, em Setúbal no Algarve ou noutra zona. Muitos dos horários que vão surgir a partir de agora serão incompletos e temporários, e estamos a falar de uma situação de precaridade. Hoje em Lisboa e em Setúbal há um problema sério”, manifestou.
“É preciso reduzir os níveis de precariedade, valorizar os salários. Não sendo atrativa a oferta, gera-se este tipo de situações” atalhou., avançando que há professores que têm incapacidades que foram colocados em zonas onde não têm condições para exercer.
“Este ano vai ser difícil. Existe outra capacidade para reunir, mas é preciso resolver os problemas estruturais. Na regiam do Vale do Sousa existem grupos do primeiro ciclo e do pré-escolar, muitos dos professores do quadro são de Trás-os-Montes, encontravam-se em regime de mobilidade por doença, não a conseguiram, foram colocadas nessa região e muitos deles não têm condições de saúde para fazer esta deslocação, pelo que as baixas vão começar a entrar. Vão ser colocados professores em contratos, com horários incompletos e isso gera um conjunto de efeitos”, afirmou, sustentando que há 2500 professores para a aposentação, o que suscita um problema sério que tenderá a agravar-se ao longo do ano letivo.
O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Prof. Filinto Lima, avançou que as direções executivas das escolas tudo fizeram para que o arranque fosse positivo.
“Fizemos um trabalho fantástico e quero dar os parabéns às direções das escolas. Há uma nuvem carregada que tem a ver com a escassez dos professores. A associação alertou em anos anteriores para esta situação que se está a agravar cada vez mais. Acontece cada vez mais e há mais falta de professores e não existem soluções. O Ministério da Educação não meteu a cabeça na areia, está a tentar resolver as situações com medidas positivas, com as quais, a maioria, concordo. Se este ministério, que tem boas intenções, não tiver o apoio do Ministério das Finanças as boas intenções podem ir por água-abaixo. É preciso que as Finanças percebam que tem de haver um investimento ao nível dos recursos humanos, aumentar o vencimento de todos os professores, apoiar os docentes nas suas deslocações e estadia, alterar a avaliação de desempenho dos professores. Grande parte destas medidas depende do ministro das Finanças”, afirmou, sustentando que estas medidas são necessárias para haver uma valorização e dignificação da carreira docente.
“Estamos a falar de uma carreira que outrora era muito motivadora, era apetecível e que hoje não é. No meu tempo ser professor era algo motivador, hoje, isso não se passa. Os vencimentos são baixos, as responsabilidades são grandes, não existe apoio na deslocação e estadia e os nossos jovens não querem ser professores. Uma das formas de resolver este problema era a abertura de um concurso extraordinário para professores contratados que são experientes e habilitados, mas que no dia 1 de setembro, são enviados para o centro de emprego, para passado um ou dois dias o Governo tornar a ir buscá-los, usá-los durante um ano, para no ano seguinte fazer o mesmo. O país pode tratar assim os professores contratados?”, questionou.
Filinto Lima afirmou temer que este fenómeno da escassez de professores que está localizado em Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, possa disseminar-se para o norte de Portugal.
“Este vírus está localizado nestas regiões em várias disciplinas e escolas, mas o meu receio é que se transforme numa pandemia na educação porque uma escola sem alunos e funcionários não é escola, mas sem professores não existe”, afiançou, reconhecendo que é urgente dignificar esta carreira.
“Falta de professores começa a ser transversal a muitas disciplinas. Queríamos que os alunos tivessem aulas durante todo o ano. No ano passado, em certas regiões nem sempre tiveram as aulas devidas, Estamos a falar de um direito constitucional”, asseverou, esclarecendo que este ano possa haver um aumento de atestados.
“Isso vai dificultar da chegada às escolas de professores. Os docentes recusam a substituição, pelo que o contrato passa para a escola e os estabelecimentos conseguem rapidamente encontrar os professores em falta. Prevejo que este ano irá haver um número elevado de atestados”, concretizou, avançando que nos agrupamentos a norte a situação está mais controlada.
Refira-se que o Governo, por intermédio do Ministro da Educação, João Costa, tinha avançado esperar um arranque de ano letivo com tranquilidade, mas “sem ilusões”.
Esta ideia foi inclusive veiculada, nas jornadas da Educação que decorreram em Lousada, pelo secretário de Estado da Educação, António Leite, que admitiu que existem sempre situações a minimizar e a resolver, numa alusão à substituição dos docentes.
À data, o governante manifestou que esta era, aliás, uma situação comum a vários países da União Europeia.