(C/VÍDEO) Governo fica aquém das medidas definidas na Estratégia Nacional para a inclusão de deficientes

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O Governo ficou aquém das medidas definidas na Estratégia Nacional para a inclusão de deficientes, avança esta quarta-feira, o Jornal de Notícias (JN), na sua edição online.

De acordo com o mesmo jornal, além das questões relacionadas com as barreiras arquitetónicas, questões como a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalhos são temas que carecem de um maior aprofundamento.

O Novum Canal ouviu, a este propósito, algumas instituições na região, que trabalham esta questão, que confirmaram os atrasos apontados em domínios-chave como a formação e a entrada no mercado de trabalho.

A presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), Gisela Valente, reconheceu o não cumprimento das medidas previstas na Estratégia Nacional é um problema acrescido para as pessoas com deficiência e para as instituições que, de uma forma, geral lidam com esta situação.

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A responsável pela APD recordou que este não deixa de ser um quadro preocupante, embora o documento esteja bem elaborado, reconhecendo que desde 2021, até hoje, pouco se fez.

“O que nos preocupa mais, mesmo sabendo que houve constrangimentos, a nível político não existe uma dotação orçamental. Não podemos delinear uma estratégia, sem ter em consideração os custos, o orçamento que podemos gastar”, disse.

Gisela Valente assumiu que existe, ainda, muito trabalho a realizar ao nível da eliminação das barreiras arquitetónicas.

“Chegam-nos muitas queixas nesse sentido. A acessibilidade não é cumprida e, muitas vezes, com os próprios municípios existe uma questão de negociação até que se cumpra a lei. Estamos a falar de questões que estão legisladas. Esta estratégia dá uma responsabilidade acrescidas para que estas questões sejam implementadas”, frisou, admitindo que, também, ao nível dos transportes, há um caminho a percorrer.

“Também ao nível dos transportes públicos há muito a fazer. Pensamos, por vezes, apenas nos grandes centros urbanos, mas este é um problema que atinge também outras regiões. Somos um país pequeno, mas somos um país onde faltam condições de acessibilidade para estas pessoas que necessitam de trabalhar, ter acesso à cultura, irem para a escola. É necessário que se estude e se orçamente e se comece. É importante que se cumpram prazos”, atalhou.

A responsável pela APD declarou, ainda, que os constrangimentos não se ficam por aqui, existindo barreiras ao nível da inserção no mercado de trabalho.

“Temos de fazer esse trabalho de formação cívica, mas existem já empregadores com essas responsabilidades, mas são poucos. Estamos a falar de uma questão que pode acontecer a qualquer um. Teremos de ser empáticos e não pensarmos apenas numa lógica monetária. Esta estratégia está bem delineada, falta cumpri-la, delinear novos prazos, conversarmos, perceber o que foi feito, o que é que não foi feito e porquê. Isto não é uma questão que possamos despachar, são questões com alguma complexidade”, expressou.

Questionada sobre a evolução que tem sido feita pela sociedade, em geral, Gisela Ventura reconheceu que tem existido uma evolução, também, ao nível das escolas, no sentido de acompanhar estes temas e abordarem temas como a inclusão.

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Fotografia: DR (foto ilustrativa)

“As escolas são fundamentais na formação das crianças. No entanto, a APD luta para que os mais novos tenham acesso a estas temáticas em relação à deficiência. Tem-se evoluído, mas há muito por fazer. A APD lançou um livro infantojuvenil em que as crianças são convidadas a pensar nos obstáculos que as pessoas têm de enfrentar todos os dias”, concretizou, manifestando que a associação tem tentado dialogar com os agentes e os atores políticas estes temas na  defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

“Temos sido ouvidos, temos conseguir explicitar os nossos pontos de vista”, declarou.

” O mercado está centrado na produtividade e não naquilo que a pessoa com deficiência pode dar”

Raúl Mieiros, da APD – Paredes, afirmou que a pandemia contribuiu para o atraso e para o não cumprimento das metas estabelecidas na Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência.

“Esta é uma área em que estamos habituados a progressos lentos. Vai havendo evolução, surgindo novas medidas, mas de uma forma gradual, mas tendo em conta o que está definido na Estratégia Nacional muita coisa tem falhado”, frisou.

Rui Mieiros reconheceu que as barreiras arquitetónicas é uma questão que não é de agora, mas que continua por resolver e a criar sérios constrangimentos a muitos deficientes que não conseguem aceder a determinados serviços.

“Esta é uma matéria que tem evoluído, também, de forma progressiva. Verificamos que vão surgindo alguns lugares de estacionamento direcionados para pessoas com deficiência, a criação de algumas rampas, mas claro que é preocupante verificar que existem repartições de finanças, mesmo a segurança social, que não dispõem das acessibilidades devidas para que estas pessoas possam aceder da melhor maneira”, observou.

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Fotografia: APD – Paredes

No que toca ao trabalho das autarquias na remoção das barreiras arquitetónicas, Rui Mieiros esclareceu que apesar de alguns avanços e da vontade de algumas autarquias minimizarem estes obstáculos, os entraves persistem.

“Em Baltar, foi criado um novo lugar de estacionamento e uma rampa que é muito recente”, atalhou, reconhecendo que ao nível da sociedade existe alguma resistência no que toca ao cumprimento dos lugares de estacionamento para pessoas com deficiência.

“Há pessoas que continuam a ocupar esses lugares de forma abusiva. Deve existir mais consciência social por parte destes condutores de que há pessoas que necessitam desses lugares”, acrescentou.

Rui Mieiros confirmou, também, que a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho continua prejudicada por falta de oportunidades e de sensibilização dos próprios empresários.

“Nota-se essa dificuldade. Verifico que a transição pós-escolar, no 12.º ano, acaba por ser um problema. Se a pessoa consegue entrar na universidade tem uma base para crescer academicamente, mas, muitas vezes, a pessoas terminam o 12.º ano e têm dificuldades em entrar no mercado de trabalho. O mercado está centrado na produtividade e não naquilo que a pessoa com deficiência pode dar”, anuiu, sublinhando que existem, ainda, muitos passos a dar para que consigamos incrementar uma sociedade que inclui todas as pessoas pode concretizar o seu verdadeiro potencial.

“Esperamos que este atraso da Estratégia Nacional tenha progressos nos próximas tempos e que até 2025 a maior das medidas se efetivem”, concretizou.

Não existem equipas que acompanhem permanentemente as pessoas. As empresas não têm os apoios suficientes e a idade vai passando e as pessoas acabam por desmotivar”

José Maria, presidente da Associação Lousadense dos Deficientes, dos seus Amigos e Familiares (ALDAF), que trabalha na Biblioteca de Lousada, referiu que ser deficiente numa terra como Lousada tem vantagens e desvantagens, salientando que ser deficiente num município como Lousada é diferente do que sê-lo no Grande Porto.

“Ser deficiente numa terra como Lousada não é o mesmo que ser uma pessoa com deficiência no Grande Porto, a todos os níveis, no que toca a barreiras arquitetónicas e até mentalidades”, afirmou, adiantando que não existem sociedades perfeitas, existindo sempre aspetos a melhorar.

“Em Lousada, posso afirmar que tem sido realizado um esforço acrescido para eliminar barreiras. De referir que quando falamos em eliminar barreiras arquitetónicas, estas podem ser acessíveis para determinadas pessoas com deficiência, mas podem não o ser para outras com deficiência. Um utilizador com cadeiras de rodas, uma coisa que pode ser acessível para ele e pode não sê-lo para uma pessoa cega. Costumo dar como exemplo das passadeiras que são alteadas. É perfeito para uma pessoa numa cadeira de rodas, mas um problema para um cego porque falta ali piso táctil. Pode estar com um pé na estrada e não saber que está na estrada. É um problema que encontro nalgumas ruas e tento fugir desse tipo de situações”, afirmou.

José Maria avançou, ainda, que o acesso a determinados serviços está, também, condicionado.

“Em Lousada, o registo civil, não tem elevador, tem umas escadas bastante ingrimes, existe uma cadeira elevatória, mas parece que, às vezes, está avariada. As finanças também não têm essas acessibilidades. Nada como um edifício único de forma a concentrar estes serviços sem as barreiras”, atalhou.

O presidente da ALDAF concordou que as pessoas com deficiência continuam a enfrentar várias dificuldades, também, em áreas como o acesso ao mercado de trabalho.

“Acredito que a estratégia nacional há de continuar com vários atrasos, já passou um ano e um dos problemas prende-se com a dificuldade de quem termina a escola e depois é atirado para outras instituições, Fazem cursos, mas o acesso ao mercado de trabalho é muito difícil. Não existem equipas que acompanhem permanentemente as pessoas. As empresas não têm os apoios suficientes e a idade vai passando e as pessoas acabam por desmotivar”, declarou, esclarecendo que há pessoas com diferentes tipos e graus de deficiência.

José Maria recordou que do lado dos empresários há, também, todo um trabalho a fazer.

“Há empresários que estão sensibilizados, mas a maioria não. Há, também, a questão da formação que deixa um pouco a desejar. Ceguei com 12 anos, fiz a minha escola ingressei na Faculdade de Letras e andei por lá três anos com grandes dificuldades, por causa dos materiais que não existiam e isso acabou por me atrasar. Encontrei um curso de assistente administrativo na Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (Acapo), um curso de seis meses, aonde não aprendi grandes coisas. Era um curso mais para ocupar as pessoas do que para as ensinar. Depois consegui um estágio na Câmara de Lousada e fiquei por cá. Sendo uma pessoa cega e tendo um computador adaptado e materiais posso fazer outras coisas, mas há pessoas com outras deficiências, com dificuldades mais evidentes. O grande problema é que as pessoas com deficiências são mantidas até ao 12.º ano e depois não têm o acompanhamento necessário para a integração no mercado de trabalho”, precisou, manifestando que falar em sociedade inclusiva tem, também, de partir das pessoas com deficiência.

“Se as pessoas aparecerem, as pessoas irão incluir-nos mais. O que não e visto não é lembrado. Hoje em dia as pessoas já incluem mais, mas há muitas formas de incluir. Quando falamos em incluir estamos a falar em integrar”, defendeu.

Falando da Aldaf, José Maria explicou que obre a Associação Lousadense dos Deficientes, dos seus Amigos e Familiares (ALDAF), é uma instituição de solidariedade social sem fins lucrativos, que tem como propósitos “defender os direitos e interesses das pessoas com deficiência e incapacidades no concelho de Lousada; promover a inclusão social e a participação ativa destas pessoas na comunidade evolvente; e desenvolver e apoiar atividades que visem promover a educação, formação, emprego, cultura, prática desportiva e ocupação dos tempos livres das pessoas com deficiência”.

“Tivemos a perceção que havia muitas pessoas com deficiência que se encontravam no seus seio familiar e pouco saem desse círculo. Tentamos tirar essas pessoas e inseri-las no meio comunitário, fazendo atividades dentro da comunidade”, referiu, numa alusão às razões que levaram à criação da associação.

A instituição promove “atividades desportivas, culturais e artísticas” entre outras.