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Artigo de Opinião | Da Ucrânia para o Mundo: conflitos a decorrer pelo globo

A invasão por parte da Rússia à Ucrânia despertou os media ocidentais e as lideranças de algumas das maiores alianças estratégicas à escala planetária (União Europeia e NATO) para o risco real de conflito bem às suas portas, agindo as mesmas com forte veemência como não havia ainda exemplo na sua (ainda curta) história. Mas a Ucrânia é só a ponta do iceberg no que toca a conflitos a decorrer atualmente no globo.

O conflito que eclodiu na Ucrânia representa um virar de página face ao período de paz pós-guerra que a Europa vivia, um estado de graça que parecia forte, duradouro e dificilmente quebrável. As tensões existiam e não só no leste da Europa, mas a ideia de uma investida militar em solo europeu não parecia exequível. No entanto, em pouco mais de 6 meses o conflito eclodiu e a diplomacia europeia tinha a sua primeira grande derrota no capítulo geoestratégico.

A iniciativa russa provou que os conflitos não são 100% previsíveis e que, por vezes, a diplomacia torna-se ineficiente face a posições beligerantes sobre as quais não existem bases para negociar. Quando se trata de assuntos sensíveis e posições dificilmente conciliáveis sobre temas geoestratégicos, juntamos um líder autocrata com menos justificações a dar internamente à receita e temos então a tempestade perfeita.

Naturalmente, o conflito na Ucrânia teve uma reação maior junto dos media ocidentais: pela proximidade geográfica do conflito, pelo desenvolvimento de uma narrativa de “ameaça à democracia” por parte da Rússia e pela reação forte e unida da União Europeia, dos Estados Unidos e da NATO, só para mencionar algum dos motivos.

Não obstante a gravidade deste conflito, o mundo vive constantemente em conflito em diferentes regiões do globo, seja qual for o “combustível” do mesmo. Hoje, proponho olhar para alguns dos conflitos que decorrem em paralelo com esta crise na Ucrânia e que, em alguns casos, já duram há bem mais tempo.

Da esperança à tragédia: Etiópia

O caso da Etiópia é um caso interessante que exemplifica como a estabilidade é ainda um privilégio fugaz em África. Duas décadas de repressão pareciam estar a ficar para trás quando o presidente Abiy Ahmed avançou com uma série de reformas progressivas de modernização do país. No entanto, os combates entre o exército federal de Abiy Ahmed e o braço armado do partido que governa uma das regiões mais a norte da Etiópia, a Frente para a Libertação do Tigray (nome dessa mesma região) eclodiu, fazendo milhares de mortes e gerando um cenário de destruição total na região.

Os combates têm sido sangrentos e as dinâmicas de combate têm sido imprevisíveis. Tudo começa em novembro de 2020 quando membros da Frente para a Libertação do Tigray (TPLF) atacam um complexo militar na região, levando Abiy Ahmed a ordenar que o exército federal, com o apoio da Eritreia, avance pela região e instale uma administração temporária na capital do Tigray, Mekele.

A TPLF reorganizou-se após a pesada derrota inicial e ganhou bastante terreno, tendo até ganho aliados pelo caminho, como o exército regional da província de Oronia. Havia até já suspeitas que este avanço ia se concretizar num ataque de larga escala à capital Adis Abeba, algo que veio a não se confirmar devido a uma nova investida bem-sucedida por parte do exército federal, que parece ter acalmado temporariamente as iniciativas das forças rebeldes.

Os relatos de enormes atrocidades cometidos pelas tropas federais e pelos rebeldes vão aumentando, indo desde massacres e destruição indiscriminada a violações de mulheres e jovens raparigas. O desastre humanitário tem sido tremendo: aos milhares de mortes juntam-se milhões mais em condições de fome extrema na região do Tigray, fruto do apoio estatal para a região estar congelado.

A volta os vizinhos também estão à espreita: o Sudão é um dos países que reivindica território etíope, principalmente junto à região de al-Fashqa, o que pode levar a que as lideranças sudanesas, olhando para o caos interno na Etiópia, procurem reivindicar essas mesmas províncias de al-Fashqa, podendo alastrar o conflito ainda mais além do prisma interno.

Os últimos desenvolvimentos vindos da Etiópia apontam para a continuação dos combates na província de Afar, no Tigray. Ambas as partes acusaram a outra de falta de transparência e imparcialidade no diálogo, gerando suspeitas de boicote às conversações formais entre ambas as partes.

O conflito parece estar para durar e a paz na Etiópia volta a parecer um sonho distante para uma das nações mais antigas da história da humanidade.

O fim de uma tragédia, o início de outra: Afeganistão

2021 foi um ano de mudança no Afeganistão: a já antecipada saída de tropas americanas do território afegão abriu espaço a uma investida rápida e eficaz por parte dos talibãs, gerando a criação de um governo não reconhecido pelo panorama internacional e promovendo uma crise humanitária sem precedentes no país.

A vitória talibã não veio de um dia para o outro. Desde o anúncio da retirada progressiva de tropas no início de 2020, os talibãs foram avançando pelas zonas rurais até começarem a conquistar cidades e vilas um pouco por todo o país, processo facilitado pela desmoralização das forças de proteção locais, muitas delas rendendo-se sem dar qualquer luta. Cabul foi tomada praticamente sem nenhum sangue derramado e deu-se assim início a um governo talibã numa nação há quase duas décadas a tentar ser reconstruída pelo Ocidente.

O governo vive em condições extremamente precárias: a juntar-se ao desrespeito pelos direitos humanos em variadas vertentes, a economia do país parece estar em claro declínio fruto das sanções aplicadas por variados países e o apoio humanitário não é suficiente para a crise que se vive no país. Mais de 20 milhões de afegãos poderão incorrer em fome extrema nos próximos meses.

A luz ao fundo do túnel parece ser uma abertura das instituições financeiras e das nações emissoras de sanções a um possível aliviar das limitações impostas ao país, abrindo ainda mais as portas ao apoio humanitário e criando condições para um melhor funcionamento das instituições públicas do país.

Nem tudo parece augurar um melhor futuro para os afegãos: as forças armadas do novo governo enfrentam uma longa e morosa batalha contra o Estado Islâmico na região, combates estes feitos em moldes pouco convencionais que levam muitas vezes a mortes em grande escala de civis.

O caminho para o Afeganistão depende em grande parte (e mais uma vez) do Ocidente: a capacidade das potências ocidentais de desbloquearem a governação ao governo talibã vai determinar o rumo do Afeganistão no futuro próximo.

Iémen

O Iémen representa uma das maiores crises humanitárias da história. O país do Médio Oriente vive uma sangrenta batalha entre os rebeldes Houthis e o governo reconhecido internacionalmente de Abed Rabbo Mansour Hadi, sendo que os danos deste conflito são já tremendos e não parecem abrandar.

As forças Houthis demonstraram um desenvolvimento significativo nos últimos anos do ponto de vista de estratégia militar e parecem ir acumulando uma série de vitórias, sendo que a possível conquista de Marib, uma região rica em recursos naturais como petróleo e gás natural, seria um cenário catastrófica para o governo de Hadi, estando aí localizada uma forte fonte de financiamento estatal através da exploração desses mesmos recursos.

O controlo do Marib seria uma vitória histórica para os Houthis: o controlo de recursos energéticos daria folga financeira para reduzir os preços da eletricidade e combustível às populações das regiões Houthis, melhorando a sua imagem pública e reforçando a sua imagem como possível força de governação nacional. A conquista de Marib seria ainda um desafio político dificílimo de resolver, sendo que uma possível resignação do governo de Hadi não seria descabida de imaginar.

Seria uma vitória Houthi o fim do conflito? É difícil de acreditar. Os Houthis veem a Arábia Saudita como um inimigo também, face ao apoio que o país tem dado ao governo de Hadi, sendo previsível que ataques transfronteiriços continuassem mesmo após a chegada ao poder dos Houthis. Uma resposta massiva a estes ataques por parte do reino saudita seria absolutamente devastadora para qualquer governo no poder no Iémen.

Os últimos desenvolvimentos não apontam para este cenário: as forças anti-Houthis parecem estar a recuperar terreno no Marib, gerando uma situação de estagnação militar para as forças Houthis e afastando o cenário de domínio completo do Marib da equação estratégica Houthi, pelo menos para já.

A realidade é que os conflitos se estendem além dos identificados aqui. Existem várias regiões do globo ainda assoladas por conflito, sendo África e o Médio Oriente algumas das regiões onde a turbulência política e militar é mais premente. Os olhos do mundo estão na Ucrânia, mas é importante que os nossos olhos vão além do que nos é próximo, sem nunca descurar aquilo que é a situação na Ucrânia e os seus impactos devastadores.

Por: Miguel Ferreira

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