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Artigo de Opinião | Bússola Estratégica: o renovado interesse europeu na Defesa

“Por uma União Europeia que protege os seus cidadãos, os seus valores e os seus interesses e contribui para a paz e a segurança internacionais”: este é o mote do relatório que define as linhas estratégicas para a defesa e segurança na Europa para a presente década, até 2030. Surge na sequência da “Estratégia Global para a Política de Segurança e Defesa da União Europeia” e dá seguimento ao mais recente olhar atento da UE para os assuntos de Defesa, à luz da guerra na Ucrânia e de um novo panorama geopolítico

A “Bússola Estratégica” era um dos documentos estratégicos mais antecipados no ano de 2022. A recente guerra na Ucrânia, a divergência geopolítica e a inconstância estratégica que vive a União Europeia face a questões como a segurança energética ou as recentes ameaças cibernéticas fizeram deste documento, outrora um documento com pouco relevo mediático, num dos mais importantes da década do ponto de vista estratégico.

Antes de entrarmos numa análise mais a fundo da “Bússola Estratégica”, e porque a mesma segue uma linha lógica que vem da década anterior, convém contextualizar quais foram os traços gerais da “Estratégia Global para a Política de Segurança e Defesa da União Europeia”.

A“Estratégia Global para a Política de Segurança e Defesa da União Europeia” definia 5 capítulos de atuação base para aquilo que seria a política externa de defesa da UE: A segurança militar e estratégica da União; resiliência a Este e a Sul, maioritariamente concentrada nos problemas dos alarmantes números da migração para a região e na política de alargamento regional; uma resposta integrada aos conflitos, reforçando o papel da UE no capítulo da defesa e apostado em estratégias preventivas; a cooperação nas ordens de governação regionais, apontando os olhos para a estratégia de segurança europeia e a sua integração nos continentes africanos e asiáticos e, por fim, uma perspetiva sobre a governança mundial no século XXI, baseada em parcerias estratégicas e em reformas envolventes a nível internacional.

Importa reforçar que a “Bússola Estratégica” não se desenvolve em cima destes 5 eixos estratégicos; baseia-se neles para ter um olhar de continuidade para o mundo nos temas de Segurança e Defesa, mas as diferenças são palpáveis naquilo que respeita a estratégia para a década.

Duas palavras descrevem a “Bússola Estratégica”: Fortalecimento e Autonomia. Existe uma preocupação clara em dar uma nova relevância à União Europeia no panorama internacional, o que nos leva indiretamente ao segundo “chavão” deste programa, pois sem uma forte autonomia estratégica dificilmente essa relevância poderia fazer-se sentir.

Uma nota prévia e de forte impacto: o contributo do Reino Unido para a defesa e cooperação entre a UE e a região sofreram alterações no âmbito do processo de saída da União (Brexit), que devem ter sidas em conta na análise do documento.

Entrando na análise propriamente dita, quatro grandes capítulos de atuação prioritária, capítulos estes acompanhados de propostas específicas, são apresentados e aqui breviamente contextualizados:

Agir: Neste capítulo destacam-se os reforços das missões e operações civis da Política Comum de Defesa e Segurança, dos exercícios militares e treinos conjuntos e ainda, e não de menor importância, o reforço da capacidade de projeção rápida da União para até 5 mil militares, sinal inequívoco do valor que a defesa e a resposta a ameaças ganha no contexto da ameaça às suas portas.

Garantir a Segurança: Aqui temos a primeira aparição do Indo-Pacífico, na aposta da ação militar nos domínios marítimo, aéreo e espacial. Também o combate às ameaças cibernéticas não foi esquecido, bem como as capacidades de análise de informação, capítulo relevante para a prevenção do conflito e preparação prévia em caso do mesmo despolotar.

Investir: Duas grandes linhas se destacam neste capítulo. A primeira toca naquilo que já não surge como novidade na esfera de investimento europeia: um aumento significativo das despesas dos Estados Membros na área da Defesa. Para contextualizar, os países europeus membros da NATO eram uma fatia relevante dos incumpridores da meta definida de 2% da despesa pública dedicada à defesa, sendo que Portugal não fugia à tendência. A segunda linha é a aposta em obtenção de sinergias com os restantes programas de financiamento da União, dos quais estão mencionados, a título exemplificativo, o “Horizonte Europa, o Programa Europa Digital, o Mecanismo Interligar a Europa, o Programa Espacial da UE, o Conselho Europeu da Inovação e o InvestEU”.

Parcerias: Dois tipos de parcerias surgem, sendo que não é de descurar o reforço da ligação à NATO bem explícito também aqui, mas onde não foi esquecida a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a União Africana e a ASEAN, sua congénere para o Sudeste Asiático e que contém um relevante ator economicamente, o Japão. A nível bilateral são especificamente mencionados os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Japão.

Algumas leituras podem ser feitas daqui: o olhar mais sério da Europa para a defesa está mais que confirmado, não preciso ir muito mais longe do que este capítulo do documento para o compreender; a cooperação estratégica tem que acompanhar a ambicionada autonomia europeia: o alinhamento euro-americano está mais forte do que nunca mas é importante ir além e envolver elementos de peso por todo o globo.

Outros destaques da “Bússola Estratégica” vão para a forte crítica à Rússia, afirmando, e passo a citar, “a Rússia está a violar flagrantemente o direito internacional e os princípios da Carta das Nações Unidas e a comprometer a segurança e a estabilidade, tanto a nível europeu como a nível mundial.”. Está alinhado com a posição dos seus Membros e das intervenções oficiais da Comunidade, complementado ainda com uma exposição do papel europeu multilateralista no panorama internacional do pós-Guerra Fria: “A UE é uma defensora firme de um multilateralismo efetivo e procurou desenvolver uma ordem internacional aberta e assente em regras, baseada nos direitos humanos e nas liberdades fundamentais.”

A posição face à China é marcadamente cautelosa e, a meu ver, de forma compreensível. A China é “um parceiro de cooperação, um concorrente económico e um rival sistémico”, descrição esta que não deixa de ser acompanhada de uma achega bem clara do respeito europeu perante a modernização militar levada a cabo por Xi Jinping e de reconhecimento do papel cada vez mais relevante da China nas tensões regionais.

Particular interesse gera a o assumido clima de instabilidade reconhecida na “Bússola Estratégica” como sendo a realidade europeia atual. Nos regiões de tensão onde estão depositados os olhares mais atentos a nível europeu estão os Balcãs Ocidentais, o vizinhos a Oriente (onde se situa a Ucrânia), os vizinhos meridionais, com a Líbia e a Síria a merecerem um destaque particular e ainda uma menção deveras interessante ao Ártico, região assolada por um conjunto de variáveis extremamente instáveis e desenvolvimento rápido nos próximos anos. A Turquia não foi esquecida e é reforçada a necessidade de encontrar uma “relação mutuamente benéfica de cooperação, em conformidade com o princípio das relações de boa vizinhança” com uma nação que tem um historial de tentar entrar na União, fato que aparece omisso no documento estratégico.

Por fim, concluir com as ameaças transnacionais identificadas e que em larga medida não surpreendem: terrorismo e extremismo violento; proliferação de armas de destruição maciça; estratégias híbridas de ataque; ciberespaço e as alterações climáticas.  

Em traços gerais a “Bússola Estratégica” dá força a quatro argumentos sobre os quais a Comunidade aparenta ter os pergaminhos bem definidos:

1. O papel da Europa tem que ser maior a nível da Defesa, sendo que a dependência aparente da NATO a nível militar tem que passar a ser uma autonomia europeia consciente da cooperação necessária para assegurar a paz no continente.

2. A Rússia é o novo “vilão” geoestratégico, sobre a qual não restam grandes dúvidas sobre o seu papel no conflito ucraniano. A coesão europeia sobre o tema tem sido surpreendentemente, ao olhar dos mais céticos, clara e tem sido criada a volta desta mesma coesão um clima de valorização ocidental que reforça o papel da comunidade do ponto de vista diplomático.

3. A China não é um inimigo, mas também não será um amigo próximo. Existe uma clara prudência em relação ao gigante oriental, prudência essa que não coíbe a União de afirmar que a China nunca deixará de ser uma nação presente em regiões do globo onde existem interesses europeus, mas só o diálogo e a proteção da paz permitirão “regular” esta relação complicada da UE.

4. As despesas com a Defesa vão aumentar de forma generalizada, tendência que aparenta ser mais clara a Leste, natural face à ameaça russa, mas que não será esquecida no resto da Comunidade.

Não podemos esconder que os caminhos são longos e sinuosos na posição europeia face à Defesa e Segurança do continente. Os conflitos existentes na vizinhança ou regiões estratégicas ameaçam os interesses europeus e o pós-guerra na Ucrânia continua a ser uma incógnita e provavelmente assim prosseguirá nos próximos meses, a não ser que uma solução diplomática seja encontrada. O dossier da adesão da Ucrânia à União não cabe aqui, naturalmente, mas será também um desenvolvimento a ter em conta, não pelo seu peso no setor da defesa em particular, mas pelas ondas de impacto estratégicas que pode ter no continente e nas linhas orientadoras que esta “Bússola Estratégica” traz para uma nova década que promete ser bem mais incerta que a anterior.

Por: Miguel Ferreira

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