Cresce a onda de solidariedade em prol do Jaime e da Leonor, dois irmãos com 8 e 5 anos de idade respetivamente, ambos com um neuroblastoma, um tumor agressivo, que carecem urgentemente de um tratamento nos Estados Unidos da América, mas cujo preço elevado os pais não conseguem comportar.
O caso tem mobilizado a sociedade civil, instituições, estabelecimentos comerciais, cidadãos anónimos, figuras do mundo do desporto e suscitou já uma onda de solidariedade que não cessa de crescer com o único objetivo de angariar as verbas que permitam que o Jaime e a Leonor obtenham o tratamento que merecem.
A associação O Gui, instituição sobejamente conhecida pelos paredenses, que nasce com o objetivo de continuar a escrever a história do Gui, um menino que faleceu de leucemia, e ajudar crianças e jovens com doença oncológica e famílias é uma das instituições que se associou a esta onda de solidariedade e se tem desdobrado em esforços, conjuntamente com os pais do Jaime e da Leonor, no sentido de mobilizar a sociedade para esta causa.
Ao Novum Canal, a presidente da Associação O Gui, Marisa Mota, realçou que conheceu a mãe do Jaime e da Leonor no IPO, na altura só com a Leonor, e desde então manteve com ela uma amizade que perdura.
“ A Leonor foi diagnosticada com um neuroblastoma, tinha nove meses e daí até agora fez os tratamentos que foram indicados pela equipa médica, esteve um ano e meio mais ou menos controlada, sem aparecimento de qualquer outro tumor. Na altura, fez-se o estudo genético para se perceber a origem do neuroblastoma e foi quando descobriram que havia uma mutação genética ALK que era hereditária. À data, o Jaime começou a ser seguido no IPO, fazia exames de rotina, de seis em seis meses, para os médicos tentarem perceber se haveria possibilidades de algum aparecimento. Apesar de ter a mutação, estava controlado, fazia os exames e não havia manifestação de qualquer tipo de tumor. Em dezembro do ano passado, depois de um desses exames de rotina descobriu-se que o Jaime tinha o tumor também na zona dos rins, numa zona mais complicada perto da coluna, e ao mesmo tempo a Leonor estava com uma recidiva com o tumor já na bexiga”, disse.
Face a esta situação, ao evoluir do problema e à necessidade de encontrarem respostas no mais curto espaço de tempo, Marisa Mota optou por divulgar o caso, envolver a sociedade civil, com o objetivo de ajudar os irmãos a deslocarem-se a Filadélfia, EUA para beneficiarem do tal tratamento.

A responsável pelo Associação O Gui destacou que o contributo de um pai, cujo filho também está a ser seguido no IPO e que esteve nos EUA a fazer o mesmo tratamento, foi determinante e permitiu à associação e aos pais das crianças ficarem a saber do tratamento e que havia uma janela de oportunidade.
“Foi aí que tivemos que começar a pensar no que é que poderíamos fazer porque as recidivas são muito perigosas neste tipo de tumores e o Jaime estando também com o mesmo problema fez com que começássemos a informar-nos mais acerca tal tratamento que existe em Filadélfia, nos Estados Unidos. Como disse, tivemos que fazer alguma coisa porque os pais não têm capacidade financeira e começamos a divulgar o caso do facebook e no instagram com o objetivo de angariar os valores. Estamos a falar de valores muito elevados. Gerou-se uma onda incrível. Temos tido contactos de todos os lados, pessoas que nos contactam através da página a Associação O Gui, pessoas que fazem vendas online e que entregam depois um determinado valor para esta causa, jogadores de futebol, nomeadamente o João Félix, o Corona, do FC do Porto, atletas do FC Paços de Ferreira, o Bruno Fernandes também está a leiloar a camisola e as chuteiras e a adesão tem sido incrível e é graças a esta ajuda que já conseguimos angariar verbas para avançarmos com a primeira consulta nos EUA”.
“A primeira consulta será em princípio em abril. Já temos o aval da equipa médica dos EUA, o aval da equipa médica do IPO Porto e já estamos a tratar com a embaixada dos Estados Unidos o visto”
Marisa Mota acredita mesmo que a primeira consulta possa acontecer no mais curto espaço de tempo, estando já a serem realizadas as démarches nesse sentido.
“A primeira consulta será em princípio em abril. Já temos o aval da equipa médica dos EUA, o aval da equipa médica do IPO Porto e já estamos a tratar com a embaixada dos Estados Unidos o visto que tem de ser um visto especial uma vez que estamos em pandemia e tem de ser uma autorização excecional para os meninos conseguirem viajar”, frisou, reconhecendo que esta é uma janela e uma oportunidade que se abre que não pode ser descurada.
“É uma janela que se abre. Temos que continuar a angariar mais verbas, mas vamos já com o dinheiro que temos iniciar o tratamento e estamos otimistas que vamos conseguir o resto da verba para continuar com os restantes tratamentos para os pais ficarem mais calmos e focarem-se só nos filhos, sem terem a preocupação de angariar o dinheiro. Uma vez iniciado o tratamento também não podemos deixá-lo a meio”, atalhou, sustentado que estes são tratamentos prolongados no tempo.

“Estamos a falar de tratamentos que serão prolongados no tempo. Há aqui aquela questão de não sabermos como é que o Jaime e a Leonor vão reagir, porque neste tipo de doenças não existe uma linha reta. A Leonor pode reagir de uma forma porque tem uma recidiva, já foi submetida a vários tratamentos, pode precisar de tratamentos que o Jaime pode não precisar ou vice-versa. Isto é um passo de cada vez. À medida que vamos fazendo os tratamentos vamos tendo os resultados e os médicos vão avaliando e vão vendo quais são as necessidades para um e para outro”, expressou, sublinhando que tudo é feito em articulação com a equipa médica do IPO do Porto.
“ Aliás, eles estão a trabalhar em conjunto, os meninos vão aos Estados Unidos fazer o tratamento que será acompanhado em Portugal pela equipa do IPO ao nível dos sintomas, efeitos secundários, reportando depois para os EUA de forma a que as duas equipas definiam o plano que vai ser aplicado às crianças”, avançou.
“A informação que temos é que os resultados têm sido animadores e esta é uma esperança que temos para o Jaime e a Leonor e que queremos agarrar com toda a força porque acima de tudo o que estes pais querem é que estes meninos sejam crianças e que não passem a infância num hospital”
A presidente da Associação O Gui declarou que associação funciona como uma rede.
“Hoje são estes dois irmãos, mas amanhã poderão surgir outros casos”, concretiza, salientando que a prioridade da instituição para além do apoio efetivo, da sensibilização, passa também por veicular informação que possa ser útil e ajudar outros agregados familiares.
“Esta ajuda e estes tratamentos podem ser fundamentais para ajudar outras famílias. Conseguimos ter todas as informações, os tratamentos, dos médicos, quem deveríamos contactar, como disse, através de um outro pai que tem o filho no IPO com o mesmo problema. Foi o pai desse menino que nos passou os contactos uma vez que o filhote já está nos EUA a fazer os tratamentos. A associação funciona como uma rede. Vamos partilhando conhecimento, passando os contactos, ajudando mutuamente”, precisou, mostrando-se otimista quanto à eficácia e eficiência dos tratamentos.
“A informação que temos é que os resultados têm sido animadores e esta é uma esperança que temos para o Jaime e a Leonor e que queremos agarrar com toda a força porque acima de tudo o que estes pais querem é que estes meninos sejam crianças e que não passem a infância num hospital”.
Marisa Mota reconheceu que além do apoio que é prestado às crianças, é também fundamental intervir junto dos pais e dos familiares mais próximos, tendo em conta o desgaste emocional e física que estas situações implicam.
“Os pais passam por muita ansiedade. Os pais têm de gerir muito bem o dia-a-dia dos meninos, gerir a ansiedade dos filhos, porque as crianças já perceberam que alguma coisa não estará bem. A Leonor quando tinha nove meses não percebia, mas ela, agora, tem cinco anos e o Jaime tem oito, acompanhou todos os tratamentos da irmã, ele sabe o que é que a irmã passou. Ainda que sejam duas crianças, têm consciência que algo não está bem e que vão ter de fazer os tratamentos. O que a mãe e o pai tentam fazer, assim como a família que os acompanha, é tranquilizá-los e passar para eles uma mensagem que vai tudo correr bem. Só que mesmo para os pais é muito difícil gerir este tipo de emoções porque, às vezes, não se consegue, às vezes, também é preciso chorar, desabafar e aí entra a associação que tenta dar esse apoio, para além de dinamizar e mobilizar o máximo de pessoas para atingir os valores pretendidos, a parte das emoções também é muito complicado gerir. Sempre que conseguimos tentamos tirar a mãe meia hora ou uma hora de casa para se distrair um bocadinho, relaxar para depois entrar, outra vez, na luta”, asseverou.

“É uma luta contra o tempo e precisamos que o Estado olhe para este tipo de doenças doutra forma e se existem tratamentos noutros países que não pensassem duas vezes porque estamos a falar de vidas. Não deveria ser preciso tanta burocracia para desenvolver um tratamento que pode salvar vidas”
Ao Novum Canal, Marisa Mota manifestou, por outro lado, que faltam apoios e um maior investimento do Estado em tratamentos que permitam minimizar estas situações e ajudar quem se debate com este problema.
“Já existem no país centro de investigação e que estão a fazer o papel deles que é estudar este tipo de doenças e tentar encontrar algumas soluções. O que falha nestes casos são os apoios estatais, a nível de protocolos internacionais. Existe uma rede europeia, existem alguns protocolos que permitem que crianças com estes problemas possam fazer estes tratamentos na Europa, mas, por exemplo, para os EUA, poderão eventualmente existir estes protocolos, mas o que verificamos é que há muita burocracia, muita papelada e, neste caso, não existe qualquer tipo de apoio por parte do Estado. Depois há outra questão que é importante, é que estas crianças não têm tempo. O cancro não dá tempo. Não podemos ficar à espera que o Estado se lembre. Daqui a cinco, seis meses pode ser tarde demais. É uma luta contra o tempo e precisamos que o Estado olhe para este tipo de doenças doutra forma e se existem tratamentos noutros países que não pensassem duas vezes porque estamos a falar de vidas. Não deveria ser preciso tanta burocracia para desenvolver um tratamento que pode salvar vidas”, confessou.
Sobre a criação da associação: “Não foi um trabalho fácil porque tivemos de gerir muito as emoções, mas para nós faz sentido porque mantemos o nosso filho aqui connosco, é uma forma de o ter cá e sempre que conseguimos arrancar um sorriso de um dos meninos ficamos felizes e também sabemos que é um bocadinho o sorriso do nosso Guilherme”
Falando da Associação O Gui, Marisa Mota relembrou que a instituição nasceu para homenagear o Guilherme, o filho que perdeu a luta contra uma leucemia.
“Achamos que a história dele não poderia ser esquecida e decidimos que queríamos continuar a escrever a história dele, porque de facto o tempo que ele esteve connosco fisicamente foi um lutador, aliás, como são todas as crianças que estão naquele hospital”, disse, sublinhando que foi o desejo de ajudar ouros famílias e outras crianças que presidiu à criação da instituição.
“Como estivemos do lado de lá e sabemos as dificuldades que os pais têm de enfrentar a partir do momento em que é diagnosticado uma doença destes, decidimos que não poderíamos ficar parados e criamos a associação. Decidimos que pretendíamos ajudar outras crianças e outras famílias”, afiançou, revelando que este não foi um trabalho fácil.
“Não foi um trabalho fácil porque tivemos de gerir muito as emoções, mas para nós faz sentido porque mantemos o nosso filho aqui connosco, é uma forma de o ter cá e sempre que conseguimos arrancar um sorriso de um dos meninos ficamos felizes e também sabemos que é um bocadinho o sorriso do nosso Guilherme”, anuiu.
Referindo-se ainda à associação, aos seus associados e à visibilidade que a instituição tem hoje, a responsável da associação manifestou, por outro lado, que a crise pandémica acabou por afetar muitos os projetos e dos desafios que tinham para implementar.
“A associação nasce em 2019 e, entretanto, como entramos em pandemia não tivemos oportunidade de fazer grandes eventos e captação de novos associados. Contamos que isto passe para começarmos em força para implementar eventos e procedendo à captação de mais associados, mas já temos bastantes”, concretizou, declarando que a associação quer criar uma equipa de apoio psicológico permanente para os pais e para os meninos e criar uma equipa de voluntariado no IPO para prestar apoio aos pais.

Entre os objetivos que a instituição pretende fomentar, Marisa Mota apontou, ainda, a realização de conferências para abordar temas como este, esclarecer as pessoas, mostrar quais sãos as dificuldades, dar a conhecer as reais necessidades e apoiar os pais que perdem os seus filhos, nomeadamente como o lidar com a dor de perder um filho.
A presidente da Associação O Gui confirmou, por outro lado, que a instituição beneficia a nível local e regional de um apoio já considerável por parte da comunidade, sendo reconhecida por vários agentes e atores locais, pelas instituições o que lhe confere maior credibilidade e notoriedade, sendo, também, respeitada e admirada pelo trabalho que tem feito nesta área.
“Notamos que há da parte das pessoas um carinho especial pelo que fazemos, até porque conhecem a história do Guilherme, contamos como o apoio da Câmara de Paredes, a Dra. Beatriz que, sempre que solicitamos alguma coisa, está sempre pronta para nos ajudar. Temos apoios a nível local e regional que nos permitem avançar com a criação de novos projetos e na obtenção de apoios. O que precisamos é de meter mãos à obra e começar a trabalhar, assim que nos for permitido”, garantiu.