São vários os livreiros que afirmam estar a passar por uma das piores crises em termos comerciais. A crise sanitária que se prolonga há vários meses, associada às restrições que também atingiram o setor, a quebra de vendas, as escolas enceradas, além da impossibilidade de venderem livros são alguns dos fatores apontados que fazem adensar as preocupações dos proprietários do setor quanto ao futuro.
Ao Novum Canal, Hélio Peixoto da Papelaria Académica em Penafiel, um verdadeiro conhecedor do mercado livreiro, com uma livraria localizada paredes-meias da Escola Secundária, manifestou que o setor tem sido dos mais penalizados, vincando que no ano transato esteve sete semanas com as portas fechadas.
“Os livreiros e em especial os estabelecimentos como o meu, pequenos espaços, estão a passar por uma situação deveras complexa e difícil. No ano passado a livraria encerrou sete semanas e este ano, apesar do último decreto presidencial que excluiu os livros e materiais escolares das limitações à venda de certos produtos nos estabelecimentos que continuem abertos, as quebras nas vendas são uma realidade, as escolas permanecem encerradas e com o púbico arredado. Obviamente que perante este cenário o comércio local ressentiu-se e as livrarias em especial”, disse, sublinhando que entre janeiro do ano passado e janeiro deste ano, as quebras atingiram os cerca de 80%.
Hélio Peixoto assumiu mesmo que nos últimos 10 a 12 anos o setor do comércio e em especial o comércio local tem passado por várias adversidades, com quebras significativas nas suas vendas e receitas, uma situação que caracterizou como sendo transversal.

Ao Novum Canal, o responsável pela Papelaria Academia confirmou que as quebras atingiram desse 2008 a esta parte os 40%, apontando o advento das grandes superfícies como estando associado a este retração do pequeno comércio que a crise sanitária veio agravar.
“Por um lado o advento das grandes superfícies, assim como as plataformas de compras a nível nacional. Para os estabelecimentos como o meu é extremamente difícil competir com armazenistas e grandes comerciantes do ramo. Somos retalhistas, não podemos competir. Perdemos um mercado muito forte por influência das grandes superfícies que vendem mais barato que os pequenos estabelecimentos. As grandes superfícies continuam a ter a preferência do público, não os podemos censurar, mas pelo menos lamentar”, disse.
Questionado sobre as plataforma de venda ‘online’ para livrarias, um modelo que muitos estabelecimentos adotaram para fazer face à crise sanitária, Hélio Peixoto destacou que não optou pelo online, sublinhando que o seu estabelecimento é um espaço que vive do contacto com o cliente, é uma loja sobejamente conhecida na cidade e não só, já com um público conhecedor da mesma e que vive sobretudo da proximidade e qualidade do atendimento.
“Tenho um contacto direto com as pessoas. Ligam-me a perguntar se tenho determinado artigo ou produto, mas tudo numa relação presencial e não seguindo o online. O que caracteriza o comércio tradicional é o contacto, a relação com o cliente, a proximidade, o atendimento personalizado e isso diferencia-nos e distingue-nos de tudo o resto, o que não sucede nas grandes superfícies. Aqui temos um acompanhamento constante, uma informação diferenciada e o nosso púbico adere porque gosta desta proximidade do serviço que lhe é prestado”, acrescentou.

Falando do último decreto presidencial que excluiu os livros e materiais escolares das limitações à venda de certos produtos nos estabelecimentos que continuem abertos, Hélio Peixoto admitiu que esta foi uma novidade ainda que incompleta uma vez que, afiançou, não ser compreensível que umas livraria não posso vender livros e uma papelaria com livros possa fazê-lo.
“É por isso que as livrarias tradicionais estão a desaparecer. Basta estar-se atento para perceber quantas já encerraram nos últimos tempos. Nalguns casos, estamos a falar de livrarias históricas até nos grandes centros, já que uma livraria no interior tem poucas possibilidades de subsistência. Tirando as livrarias que pertencem a grupos editoriais muito fortes que as sustentam”, precisou, reconhecendo que com o fecho das livrarias tradicionais são também os empregos que se perdem.
“Conheço bem o setor, todos muitos colegas em várias localidades no Norte do país e sei que estão a passar pelo mesmo problema e alguns que já tiveram inclusive de encerrar os seus espaços”, afiançou, reconhecendo existir uma espécie de mito que as grandes superfícies é que têm e vendem mais barato, não dispondo o comércio local e as livrarias das mesmas ferramentas.
“Isto leva-me a ser, às vezes, um pouco irónico e sarcástico ao ponto de dizer que um dia vamos querer uma caixa de fósforos e vamos ter que a mandar vir pela internet ou obtê-la nas grandes superfícies porque a tendência é para que o pequeno comércio tradicional se extinga. Existem ramos que acredito possam subsistir porque as grades superfícies não se metem neles, mas na minha área, nas papelarias, qualquer superfície comercial hoje tem grandes ofertas nesta área e até alguns livros, isso é um facto, embora estabelecimentos como o meu tenham uma maior diversidade de obras”, atalhou.
Em termos escolares, Hélio Peixoto admitiu que antes da Páscoa não será expectável que as aulas presenciais possam voltar.
“Provavelmente só voltaremos ao ensino presencial no terceiro período, embora seja um período mais alargado e acredito que possamos conseguir recuperar alguma coisa porque até lá não creio que as aulas abram em pleno. Julgo que a reabertura irá ser faseada, o primeiro ciclo primeiro, depois o segundo e terceiro ciclos e por aí fora até que todos os ciclos possam estar em aulas efetivas. O meu estabelecimento está muito próximos das escolas e vivemos substancialmente também do seu funcionamento”, concretizou.

O proprietário da Papelaria Académica apontou a resiliência e a paixão pelos livros como determinantes para se manter no ativo.
“Quem anda nisto há meio século é porque teima em andar com isto. Gosto dos livros, tenho imensos livros, tenho pena é que não haja mais manifestações, feiras dos livros, vou fazendo nas escolas que me solicitam, no âmbito do Festival Escritaria porque assim é que se divulga o livro, se criam hábitos de leitura e se está próximo do público. Acredito que o público em Penafiel adquira e compre livros, mas, por vezes, fica-me essa sensação que essa compra não é no mercado local. Somos pequenos retalhistas, somos o que somos e não podemos competir”, reiterou.
Rui Soares, da papelaria livraria e papelaria PuroFlow em Lousada, reconheceu que também o seu estabelecimento, apesar de integrar outros serviços, um posto dos CTT, ter sido igualmente atingindo nas vendas, com as quebras a chegar aos 50 a 60%.
O responsável da PuroFlow manifestou que apesar do seu espaço não ter fechado, ao contrário do que sucedeu com outros estabelecimentos, as livrarias com venda de livros têm sentido muitas dificuldades ao nível da distribuição de livros, com os pequenos distribuidores a não colocarem os produtos nas lojas, o que acabou por restringir a oferta.

Rui Soares confirmou, por outro lado, que a política das grandes editoras relativamente aos pequenos estabelecimentos e àquilo que é a disponibilização de livros nas papelarias é diferente da que é seguida, por exemplo, para as grandes superfícies.
Rui Soares declarou, também, que o online, a facilidade com que qualquer pessoa pode encomendar um livro é uma realidade com que as papelarias e as livrarias locais têm de enfrentar.
Quanto ao futuro, o responsável da PuroFlow assumiu que, no seu caso, a realidade do seu estabelecimento, dada a diversidade de produtos e serviços que dispõe, o atendimento personalizado e o ambiente criado são fatores distintivos e diferenciadores que lhe permitem continuar a fazer face às adversidades, admitindo, no entanto, que existem outros estabelecimentos que estarão com mais dificuldades.