Fotografia: Câmara de Penafiel
Mário Zambujal, autor convidado do Escritaria, assumiu, esta sexta-feira, em conferência de imprensa, estar admirado e reconhecido por estar em Penafiel e não ter feito qualquer sacrifício para participar no festival, numa alusão à crise sanitária que a região e o país estão a vier.
“Admirado e reconhecido. Admirado pela amplitude que esta festa tem em relação aos seus convidados. É o abraço de uma cidade inteira. Andei esta manhã a passear e esta multiplicidade de gestos amigos que se vê em casa esquina, cartaz, em cada momento, torna este festival original em relação a todos os festivais. As palavras de homenagem do presidente da Câmara de Penafiel são secundadas pela cidade inteira. Vejo as ruas a abraçar-me. Tenho esse espírito de gratidão e sinto que devo retribuir abraçando a cidade na pessoa do presidente”, disse.
O autor da “Crónica dos Bons Malandros”, a sua obra mais vezes editada, adaptada ao cinema, televisão e ao teatro, relevou a importância do Escritaria enquanto festival literário que tem como objetivo dar a conhecer autores da língua e da literatura lusófona, salientando, por outro lado, que as grandes ideias não têm que morar apenas em Lisboa ou no Porto.
“Esta cidade tem dado um extraordinário exemplo. As grandes ideias culturais não têm que morar em Lisboa ou no Porto. Penafiel mantém há tantos anos um festival de uma extraordinária originalidade e que tem singrado e mesmo este ano, apesar de todas as forças negativas e da situação que o país atravessa, é exemplar a decisão de Penafiel fazer o Escritaria. Estou aqui com imenso gosto, não fiz sacrifício nenhum para estar em Penafiel,. Pelo contrário estou com imenso gosto para poder dizer por palavras minhas aquilo que são os meus sentimentos em relação à forma com recebi esta distinção”, disse. destacando que não vir a Penafiel significava não colocar-se no lugar das pessoas que vivem em Penafiel e vivem sem medos e sem receios.

“Não hesitei em nenhum momento sequer. Estar em Penafiel e neste festival significa um momento especial no meu trajeto como autor, como escritor, uma palavra, da qual não gosto muito. É um momento bonito, diferente de todos os outros. Vim com muito gosto e já sei que vai ficar marcada na minha agenda mental estes dias”, avançou.
Falando da reedição do livro “Uma Noite Não São Dias”, o autor realçou tratar-se de uma paródia a um tempo futuro.
“É uma história que se passa no ano de 2044. O autor seguiu a evolução do mundo, dos progressos tecnológicos, tudo levado ao nível quase anedótico, e também a evolução do papel da mulher na sociedade portuguesa. Há uma evolução do papel da mulher na sociedade portuguesa. Quando se passa para um livro de fantasia, essa evolução é ampliada e nesse meu livro de 2044, os homens já não vão além de secretários de Estado. É uma paródia, uma fantasia, mas baseada nos indícios reais, ao nível da evolução da própria sociedade”, destacou, assumindo que a sua próxima obra já está pensada em cerca de 70%.
“Tenho 70% da obra pensada. É que os livros não se escrevem no papel, no ecrã de um computador, os livros escrevem-se na cabeça, escrevem-se no interior do nosso cérebro e só sei passar à parte física, ao papel, se já tiver o livro desenhado pelo menos a 90% na cabeça. Tenho que ter uma ideia da história, das personagens, muito bem vincada e só aí, é que me dá a segurança para saber o que estou a fazer”, frisou, admitindo que as suas histórias normalmente são histórias de uma fantasia e de uma ligeireza que tem que ver com a sua forma de ser e encarar a vida.
“Escrevo histórias do que não aconteceu, mas poderiam ter acontecido. Têm sempre alguma verosimilhança, embora sejam difíceis de acontecer. Aquilo podia ter acontecido”
“Não que encare a vida com ligeireza. Por exemplo, tive um irmão, custa-me dizer a palavra no pretérito porque ele morreu, e morreu estupidamente novo, que era um enorme caricaturista. Também sou um bocado caricaturista”, expressou,, confirmando mais à frente, “ninguém inventa sentimentos” e que o caricaturista pode ampliar ou diminuir qualidades, mas “não há dois seres absolutamente iguais fisicamente e mentalmente”.

“Esta coisa dá um imenso campo para os autores porque é sempre possível recriar uma personagem. Escrevo histórias do que não aconteceu, mas poderiam ter acontecido. Têm sempre alguma verosimilhança, embora sejam difíceis de acontecer. Aquilo podia ter acontecido.”, atalhou.
Questionado sobre como é que seria a Crónica dos Bons Malandros se fosse escrita hoje, Mário Zambujal reconheceu que é o seu livro de referência, não será das obras mais cuidadosamente bem escritas, mas adquiriu uma projeção e um ritmo de crescimento que não imaginava.
“Há 40 anos foi publicado o livro Crónica dos Bons Malandros. Na altura, era parceiro de uma série de autores que também escreviam em jornais que insistiam muito que escrevesse um livro…à data, escrevia muitas crónicas, num estilo mais ou menos bem humorado. Quando escrevi a Crónica a minha intenção era satisfazer os meus amigos. Aquilo ganhou um ritmo de crescimento, edições atrás de edições, que foi para além do que tinha julgado, foi adaptada ao cinema, teatro televisão, bailado. Tenho alguns livros que estão mais cuidadosamente bem escritos que a Crónica dos Bons Malandros, mais enriquecidos, mas a Crónica é o meu livro de referência, embora os meus outros livros tenham ciúmes”, confessou, sublinhando , a este propósito, que há livros que saem melhor que outros.
“De certa maneira ficamos com algum carinho com o que nos saiu da cabeça. Há livros que nos saímos melhor que outros. O livro Cafuné tem uma base de investigarão, não sou dado a pesquisa, mas aí fiz alguma pesquisa, li algumas coisas, é um livro que tem personagens de ficção assenta sobre um tempo real, único na história da humanidade, em que o país estava a ser invadido e as pessoas a fugirem em debandada. Em cima dessa realidade é construída uma história”, afirmou, referindo que “Histórias do Fim da Rua”, é também um livro que lhe saiu bem.

Interpelado sobre o impacto que a pandemia estar a ter no setor cultural, Mário Zambujal confirmou que o setor tem sido, também, penalizado, e merece ser olhado com medidas de defesa.
“ A cultura foi muito afetada, tem sido muito afetada e merece que seja olhada com medidas de defesa. Ninguém tem culpa que não se possam organizar determinado tipo de manifestações. Tenho a sensação que dos momentos maus vem sempre alguma coisa de bom… Nos domínios da criação, das artes tudo enfraqueceu. Tenho muitos amigos no campo das artes, da música e vejo como a vida se complicou para eles, além do prejuízo material que isso representa. Acredito que nos aproximamos de um fim e quando se chegar ao fim desta tragédia, o país terá redescoberto energias e soluções que não conhecia. O problema dos lares, era um problema que o país estava desatento e agora com estas tragédias, quando vier outro tempo, os lares terão mais cuidados. Será um país que vai refinar as suas capacidades de luta contra as adversidades. É bom que se deem condições ao mundo das artes para fazer aquilo que é possível fazer e socorrer os artistas que não têm outra forma de vida. Deste retrocesso forçado virá um sai um progresso”, acrescentou, assumido que Isto há de passar..
“O Escritaria este ano é diferente, mas procurámos que mantivesse a sua matriz fundacional. Este ano temos uma aposta grande no online, é aprendizagem e uma experiência que vai servir para próximas edições do festival e para outros eventos que a câmara irá realizar”
O presidente da Câmara de Penafiel, Antonino de Sousa, enalteceu o esforço de Mário Zambujal para estar no festival Escritaria.
“Queria saudar a presença do homenageado. Gosto imenso de tê-lo cá. Sabemos bem o esforço que fez para estar cá connosco, daí a sua presença ser mais valorizada e apreciada por todos. Agradecer à sua editora pelo acompanhamento que fez para tornar possível a sua presença no Escritaria”, atalhou, afirmando que apesar das adversidades e na impossibilidade deste ano ser impossível realizar muitas das ações que habitualmente fazem parte do certame, a organização conseguiu readaptar o programa ao online, mantendo aquilo que sempre foi a sua matriz fundacional.
“O Escritaria este ano é diferente, mas procurámos que mantivesse a sua matriz fundacional. Este ano temos uma aposta grande no online, é aprendizagem e uma experiência que vai servir para próximas edições do festival e para outros eventos que a câmara irá realizar”, lembrou, reconhecendo que fazer a edição deste ano foi uma decisão difícil e muito ponderada.

“Optamos por manter a essência de homenagear um escritor, fazer uma edição minimalista com recursos às plataformas online e garantir a segurança dos intervenientes”, atalhou, confirmando que a cultura tem sido bastante sacrificada na sequência da crise sanitária que Portugal enfrenta, pelo que não realizar este certame literário representaria mais um revês para o setor, para os seus autores e agentes.
“A cultura tem sido muito sacrificada e mais faltava que em Penafiel déssemos um contributo para essa ausência da via cultural. Esta é a opção mais difícil, mais exigente. Procuramos adotar as medidas de segurança. O nosso Plano de Contingência foi validado pelas autoridades de saúde e está a ser cumprido com todo o rigor. As atividades com mais gente, este ano não vão ter lugar. Vamos estar nos momentos em que temos meios de garantir a segurança do escritor e dos que participam em cada um desses momentos”, referiu, reiterando que a cultura tem sido uma das áreas mais sacrificadas com a pandemia e é importante que cada um vá fazendo esses esforço para que possamos manter viva a chama cultural.
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