Fotografia: Associação Jornada Principal
A Associação Jornada Principal, associação ambientalista que se tem batido pela encerramento do aterro de Sobrado, em Valongo, emitiu uma carta aberta ao ministro do Ambiente, Matos Fernandes, no qual desfere várias críticas à forma como a tutela tem gerido este dossier, mas também à entidade gestora do equipamento.
Na carta aberta, a associação acusa o ministro de “hipocrisia política” e “falta de zelo”.
“Tirem-se as devidas ilações! Não seria novidade afirmar que as questões ambientais são encaradas como causas menores. Excetuando-se os casos em que se pode fazer _show off_ político perante preocupações internacionais, tudo o que “dentro de casa” possa interferir com interesses superiores é relegado para segundo plano e todas as potenciais implicações ambientais são minimizadas ou até silenciadas. E com isto são frequentes os discursos revestidos das melhores intenções que nunca chegam a encontrar causalidade prática. Porém, este manto de hipocrisia política não pode cobrir as responsabilidades de quem de direito. Assistimos constantemente à falta de zelo do Sr. Ministro do Ambiente em matéria de gestão dos aterros, perante os incumprimentos que têm vindo a público, em particular no caso do aterro de Sobrado que muita contestação tem levantado. Abordaremos, portanto, um exemplo relativo ao aterro em causa”, referiu a associação.
Na missiva enviada a Matos Fernandes, a Associação Jornada Principal reiterou a ideia já repetida várias vezes que o que o que se passa em Sobrado é “muito preocupante”, e “constitui uma violação muito grave à legislação ambiental”.
“A alínea c do n.º 2 do artigo 34.º do DL 183/2009 especifica que os aterros para resíduos não perigosos podem receber “Resíduos perigosos estáveis, não reativos, nomeadamente os solidificados ou vitrificados, com um comportamento lixiviante equivalente ao dos resíduos não perigosos (…) que satisfaçam os critérios de admissão de resíduos em aterros para resíduos não perigosos definidos no n.º 2 da parte B do anexo IV (…), desde que não sejam depositados em células destinadas a resíduos não perigosos biodegradáveis_.”, referiu a associação.

“O risco de incêndio, como causa da libertação do metano resultante da digestão anaeróbia destes resíduos, acarreta riscos se houver co-deposição de amianto na mesma célula, uma vez que, num cenário dessa natureza, a dispersão de fibras na atmosfera envolvente constituiria perigo para a saúde pública das populações. Acontece que, o aterro em causa, possui apenas uma única célula, podendo concluir-se assim, que o que se passa em Sobrado é muito preocupante, uma vez que, a co-deposição de amianto com resíduos biodegradáveis além de proibida constitui uma violação muito grave à legislação ambiental. Mais preocupante ainda é que, a co-deposição não só foi permitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) como é do conhecimento do senhor Ministro do Ambiente que, ou por desconhecimento técnico ou em busca de uma evasão impercetível, evocou, perante a 11ª Comissão Parlamentar de Ambiente, que a co-deposição seria apenas “proibida em alvéolos (subunidades de uma célula) e não em células”, lê-se na missiva.
Falando do resultado da inspeção feita ao aterro, a Associação Jornada Principal defendeu que os resultados vêm dar razão “às inúmeras reivindicações da população”.
“Acresce, ainda, lembrar, que o aterro da Recivalongo foi mal licenciado, violando o Plano Diretor Municipal (PDM) da altura, como concluiu um inquérito da Câmara de Valongo”

“Na sequência do resultado de uma inspeção feita ao aterro, hoje as licenças de deposição de amianto estão suspensas temporariamente, por se reconhecerem incumprimentos graves da lei por parte da entidade gestora, dando, assim, razão às inúmeras reivindicações da população. Mas esta violação clara da legislação não levou a que senhor Ministro do Ambiente procurasse determinar responsabilidades e/ou exonerar quem permitiu o licenciamento deste crime ambiental. Seria de felicitar que fizesse uso dos resultados da inspeção que ordenou (mas cujo relatório ainda desconhecemos) para poder recuar a favor das reivindicações, já conhecidas e mais que provadas, mas não seria menos plausível que se retratasse dos erros que cometeu ao longo do processo e das frases de desvalorização que proferiu, em completo desrespeito pelo sofrimento do povo de Sobrado”, refere a carta aberta que acrescenta:
“Acresce, ainda, lembrar, que o aterro da Recivalongo foi mal licenciado, violando o Plano Diretor Municipal (PDM) da altura, como concluiu um inquérito da Câmara de Valongo. Ou seja, a infraestrutura foi implantada num local que nem sequer era adequado de acordo com as regras de planeamento e ordenamento de território de então, colocando em causa a saúde pública da população, pelo que as preocupações levantadas até ao momento se tornam mais que legítimas”.
A missiva termina com várias perguntas ao Governo sobre a gestão deste processo.
“Após vários meses de luta contra o aterro da Recivalongo e após o relatório final do IGMAOT, o Sr. Ministro do Ambiente “sacode a água do capote” a atira as responsabilidades para a CCDR-n. Perguntamos, não seria do interesse da Tutela acabar com o “jogo do empurra”, e tomar a iniciativa de trabalhar com a autarquia no sentido de analisar a situação com detalhe e tirar as devidas conclusões? Ou estarão a fazer do tempo o maior aliado para que, “debaixo do tapete”, se criem condições de forma a que a Recivalongo possa continuar a operar na íntegra e a ver restauradas as recém-suspensas licenças, sem se responsabilizar, quem quer que seja, por todo este processo de licenciamento criminoso? Mais, como é possível que a APA e a CCDR-n ocultem constantemente os incumprimentos da Recivalongo, a saber: ausência de cobertura diária de resíduos, recirculação de lixiviados a céu aberto, depósitos de resíduos sem qualquer tratamento prévio (contrariando todas as orientações de base na implementação da economia circular), mistura de resíduos contendo amianto com resíduos biodegradáveis, descargas acidentais de lixiviados na rede pública de saneamento, incumprindo os VLE contratualizados?”.
“Como é possível as entidades reguladoras de saúde ignorarem as constantes denúncias da população de Sobrado? Como é possível a Tutela renovar repentinamente as licenças da Recivalongo até 2026, ignorando o parecer desfavorável do Município de Valongo e a forte contestação da população? Como é possível a tutela compactuar com o negócio da importação de resíduos em que a única finalidade era o depósito em aterro sem qualquer tipo de tratamento? Na semana anterior, num acto de hipocrisia e arrogância, a Recivalongo veio reiterar o cumprimento da legislação, informando que não vai alterar o seu modo de operação. Mesmo após todos os factos e as conclusões da recente inspeção, a empresa continua a assumir a sua imagem com pretenso brilhantismo. Até quando e patrocinada por quem? É hora de dizer basta!!! É hora da CCDR-n identificar os responsáveis por este crime ambiental e impor medidas exemplares à Recivalongo, punindo o prevaricador e defendendo os interesses da população de Sobrado. É hora de tirarem as devidas ilações políticas pelos erros cometidos pela Tutela durante este processo de reivindicação! É hora de ordenar a imediata remoção dos resíduos de amianto ali colocados ilegalmente, de forma a eliminar o risco de contaminação ambiental (que existe) e que pode comprometer a saúde pública da população! É hora de encerrarem o aterro de Sobrado, cujo licenciamento não passou de uma manipulação de interesses! Ponham fim às conivências com interesses paralelos e façam política pelo povo! Não se refugiem na covardia do “passa culpa” assumam as vossas responsabilidades, atuem em defesa dos interesses da população, da saúde pública e do meio ambiente!”, remata a Associação Jornada Principal.
“Nenhum dos pontos do relatório da IGAMAOT, na sequência da última inspeção, é imputável à Recivalongo. A empresa já tomou, em períodos anteriores, todas as medidas necessárias para a resolução dos pontos identificados pelo relatório da IGAMAOT”
Contactada pelo Novum Canal, a Recivalongo esclareceu que nenhum dos pontos do relatório da IGAMAOT, na sequência da última inspeção, é imputável à entidade gestora do aterro.
“Nenhum dos pontos do relatório da IGAMAOT, na sequência da última inspeção, é imputável à Recivalongo. A empresa já tomou, em períodos anteriores, todas as medidas necessárias para a resolução dos pontos identificados pelo relatório da IGAMAOT. O processo está a decorrer e iremos responder.
A entidade gestora do aterro de Valongo negou a existência de “incumprimentos” no que toca à gestão do equipamento.
“A Recivalongo nega a existência de incumprimentos na gestão do aterro de Sobrado. Até ao momento, a Associação Jornada Principal não foi capaz de apresentar provas concretas, de causa-efeito, que sustentem o que afirma e tem afirmado. Temos estudos independentes, realizados por entidades certificadas e partilhados com as autoridades, que comprovam, por exemplo, que a presença de insetos no Sobrado não está relacionada com o aterro”, informou a empresa que garantiu cumprir todos os requisitos legais e normativos.
“A Recivalongo cumpre todos os requisitos legais e normativos e as entidades responsáveis assim o confirmam. Recordamos que na última audição no parlamento, a Agência Portuguesa do Ambiente confirmou que a Recivalongo cumpre as licenças. A empresa trata os resíduos não perigosos de mais de 1.000 empresas da região desde 2012 e está devidamente licenciada para o exercício das suas atividades. Os seus sistemas de gestão da qualidade e gestão ambiental encontram-se igualmente certificados. Relativamente ao licenciamento, como já tivemos oportunidade de referir por diversas vezes, na criação da Recivalongo, o processo de licenciamento começou e terminou na Câmara Municipal de Valongo, que foi a primeira a ter conhecimento do projeto, a definir a zona do aterro através do Plano Diretor Municipal e, finalmente, a atribuir a licença de utilização depois de emitidas as licenças ambientais. Este processo foi objeto de apreciação de todas as entidades competentes como a Agência Portuguesa do Ambiente, CCDR-N, ARS, ARH e o ACT, que validaram o projeto. A Licença Ambiental da Recivalongo foi renovada em dezembro de 2018 e os Alvarás de licença de operação renovadas em março de 2019, após um longo processo que teve início em junho de 2016 e que teve as diversas entidades a escrutinar, validar e a aprovar a renovação das mesmas. Posto isto, razões não faltam para definirmos este processo como “rigorosamente escrutinado pelas entidades licenciadoras e fiscalizadoras”, informou a empresa.
“A exploração e gestão de uma unidade complexa como a da Recivalongo só é possível com sistemas de gestão sofisticados que são avaliados de forma permanente. A empresa mantém e continuará a manter a monitorização constante da sua atividade, que é reportada de forma proativa e adequada às entidades licenciadoras e fiscalizadoras”
Quanto à imputação feita pela Asociação Jornada Principal que fala em “incumprimentos da Recivalongo”, da “ausência de cobertura diária de resíduos, recirculação de lixiviados a céu aberto, depósitos de resíduos sem qualquer tratamento prévio (contrariando todas as orientações de base na implementação da economia circular)”, entre outros, a empresa gestora do aterro foi perentória:
“São acusações falsas. A exploração e gestão de uma unidade complexa como a da Recivalongo só é possível com sistemas de gestão sofisticados que são avaliados de forma permanente. A empresa mantém e continuará a manter a monitorização constante da sua atividade, que é reportada de forma proativa e adequada às entidades licenciadoras e fiscalizadoras. Sobre o tema do amianto, que a Associação Jornada Principal tantas vezes tem levantado, o real problema coloca-se agora: o que acontecerá aos resíduos que se até à data foram depositados em aterros de resíduos não perigosos? Que preços serão praticados a partir desta data? Que repercussão vai ter nos bolsos dos contribuintes? Receamos que este impasse agrave o abandono ilegal de resíduos contendo amianto nos montes de Sobrado, em Valongo, e no concelho de Paredes, tal como recentemente foi tornado público e representa, aliás, o que se verifica um pouco por todos os montes do país (e isto quando existiam 11 soluções implementadas no país e que praticavam um preço razoável pelo tratamento). Este é verdadeiramente o problema que tem vindo a ser propositadamente ignorado quer pela Associação quer pelo Presidente da Câmara de Valongo (que tem responsabilidade na gestão dos caminhos públicos onde esse amianto é abandonado e por ser membro da Associação de Municípios Parque das Serras do Porto, que tem como fim principal a criação e gestão do Parque das Serras do Porto, bem como a promoção ambiental e a valorização da natureza). Em suma, a atividade da Recivalongo está devidamente licenciada e cumpre todos os requisitos legais e normativos, sendo a sua atividade fundamental para que o país cumpra as políticas nacionais e europeias em matéria de economia circular”, declarou a Recivalongo.