Saúde mental dos cuidadores das crianças e jovens com necessidades específicas

Há algumas semanas atrás escrevi sobre as crianças e jovens com necessidade de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão na modalidade de ensino remoto de emergência, designadamente de crianças e jovens com necessidades específicas, crianças e jovens com deficiência e/ou multideficiência, que em virtude do curso expansivo da pandemia viram as suas rotinas alteradas, confinadas em casa como consequência do encerramento dos estabelecimentos de ensino e outros centros de apoio, como seja, centros de apoio ocupacional, centros de formação profissional e/ou outros.

Nesse texto escrevia sobre a necessidade de equacionar sobre como estariam estas famílias a organizarem-se, os apoios recebidos e as suas necessidades emocionais, de suporte, de capacitação para responderem ao desafio do E@D, as respostas que as escolas estariam a disponibilizar, cumprindo as orientações da tutela definidas no documento orientador de apoio às Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva.

À data escrevi –  “(…) é fundamental pensar nas famílias com crianças/jovens com deficiência (visual, auditiva, motora, intelectual), na forma como está a ser assegurada a relação com a escola – o contacto com os docentes, com os colegas/turma, com os técnicos e com as equipas multidisciplinares – na prossecução do processo de ensino e aprendizagem, na modalidade de E@D, no objetivo geral de promoção de bem-estar socio-emocional e garantia de uma educação para todos. Estarão nesta situação cerca de 80 mil crianças e jovens (DGEEC- Direção Geral de Estatística, Educação e Ciência, ano de 2017/2018), em quadros diversos de dificuldades de aprendizagem (ex: Perturbações Especificas da Leitura e Escrita, Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção, Perturbações do Desenvolvimento, Perturbação do Especto do Autismo, Perturbação do Desenvolvimento Intelectual, entre outras(…). Deste número cerca de 20%, corresponderão a crianças e jovens com quadros de dificuldades de aprendizagem com maior severidade, bem como perturbações de desenvolvimento e incapacidade, e mesmo de multideficiência e, consequentemente, com necessidades de apoio  de maior frequência e intensidade, para os quais as alterações de rotinas diárias, a perda do contacto diário e presencial com as figuras de referência do contexto escolar (seja o professor, o assistente operacional cuidador, os colegas de turma), reduzida nesta modalidade de E@D a contatos telefónicos ou a janelinhas em écrans de computador (nos casos das famílias que possuíam equipamentos tecnológicos e que para além disto, sabiam como utilizar as tecnologias da informação e comunicação) ou a envelopes que chegavam via correio ou através dos elementos das juntas de freguesia que serviram de elo de comunicação entre a escola e as famílias (e serão muitas as famílias nesta situação),   poderá vir a revelar-se  com alguns custos e perdas. Desde logo, o papel dos pais como cuidadores informais, que se viram a braços com a exigência de um acompanhamento permanente também ao nível escolar, alterações no modo de funcionamento das dinâmicas familiares e  individuais, muitas vezes marcadas também por alterações de comportamento, agravamento de sintomas dos seus filhos, em muitos dos casos, com quadros clínicos já de si severos. Como estará a saúde mental destas famílias?  Como cuidaram e estão a cuidar de si? Como perceberam as suas próprias necessidades emocionais? Que rede de suporte conhecem para pedir ajuda e partilhar o cansaço acumulado de dias intermináveis de isolamento, confinados muita vezes a parcas condições físicas, casas sem condições para as necessidades de um e de todos…

São já vários os estudos em curso sobre os efeitos do período de confinamento na saúde mental, seria importante dar voz também a estas famílias, crianças e jovens. Os estados de burnout em muitos destes cuidadores informais devem ser observados e identificados, encontradas respostas às necessidades e vulnerabilidades auscultadas e mobilizados recursos e apoios ao nível da promoção do bem-estar psicológico e sócio emocional, tendo em conta os vários cenários que já começamos a antecipar na preparação do próximo ano letivo, no qual, no limite se poderá configurar novamente o ensino remoto de emergência, se este vírus não nos der tréguas.

Esta semana, ao ler uma notícia na comunicação social, sobre um alegado homicídio de um jovem com perturbação do espectro do autismo, ocorrido em Mirandela, não podia deixar de fazer estar reflexão…

Reitero o papel da comunidade envolvente, da rede de suporte, dos técnicos, da escola, das equipas multidisciplinares, das equipas de saúde, de todos nós cidadãos no âmbito da responsabilidade social e no contributo para mitigar as desigualdades sociais que a pandemia acentuou ainda mais…