“Segundo os dados da Organização Mundial Saúde, Portugal está no topo da lista dos países que mais maltrata a terceira idade”, Marina Ferreira da Silva, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde

Hoje assinala-se  o Dia Internacional de Sensibilização sobre Violência Contra Pessoas Idosas, iniciativa anual criada pela International Network for Prevention of Elder Abuse (INPEA), data que tem como finalidade alertar para abuso de pessoas mais velhas, um verdadeiro flagelo que continua a fazer-se sentir na nossa sociedade.

Para uma explicação e enquadramento  mais cabal do fenómeno, o Novum Canal falou com Marina Ferreira da Silva, mestre em Psicologia Clínica e da Saúde  pelo Instituto Universitário da Maia que confirmou que este é verdadeiramente um flagelo que atenta contra a dignidade dos idosos  e ao qual urge dar resposta.

Marina Ferreira da Silva, que é também colaboradora do Novum Canal, manifestou que segundo os dados da Organização Mundial Saúde, Portugal está no topo da lista dos países que mais maltrata a terceira idade, sendo este flagelo um verdadeiro drama social um problema muito sério que o país tem para resolver.

“Os maus tratos contra as pessoas idosas subiram consideravelmente na última década, principalmente na esfera doméstica. Os números são preocupantes, estima-se que cerca de 39‰ das pessoas com mais de 65 anos são vítimas de violência e abuso. Segundo os dados da Organização Mundial Saúde, Portugal está no topo da lista dos países que mais maltrata a terceira idade, por isso, temos efetivamente em mãos um problema muito sério para resolver. Clarificando, entende-se por maus tratos qualquer ato único ou repetido que cause dano, sofrimento ou angústia, seja sob a forma de abuso físico, psicológico, sexual, financeiro ou até mesmo pelo abandono ou negligência. E é lamentável que quando um idoso é violentado, quase nunca o é apenas num dos tipos de violência”, disse.

“ O Instituto de Segurança Social, I.P. estima que sejam já 25 mil os idosos em situação de grande fragilidade e sem apoio, num universo de quase 400 mil pessoas com mais de 65 anos”

Marina Ferreira da Silva confirmou que com o confinamento, a violência contra a terceira idade aumentou.

“Com o confinamento a violência, no geral, aumentou. Sendo por si só a população idosa um grupo de risco, não só que respeita à infeção da Covid-19 como também numa perspetiva social, foi notório o avolumar dos casos de violência contra os mais velhos, especialmente no seio intrafamiliar”, afirmou, reconhecendo que presentemente os idosos estão mais expostos a esta situação.

“Não há qualquer dúvida quanto a isso! A terceira idade é um dos grupos mais vulneráveis da nossa sociedade. O Instituto de Segurança Social, I.P. estima que sejam já 25 mil os idosos em situação de grande fragilidade e sem apoio, num universo de quase 400 mil pessoas com mais de 65 anos que vivem sozinhas em Portugal. Este tipo de violência é um problema mundial, atinge pessoas de ambos os sexos e não se confina a alguma religião, etnia, classe social ou cultura”, adiantou.

A mestre em Psicologia Clínica e da Saúde realçou que a sociedade “tende a marginalizar as pessoas não produtivas e por essa razão, os idosos são vulgarmente conotados como pouco válidos e até incapazes”.

“Para além de que, existe a ideia errónea e redutora de que as pessoas idosas voltam à fase da infância à medida que envelhecem, sendo-lhes retirando, assim, qualquer poder de decisão ou opinião. Se já é complexo o processo natural de envelhecimento para cada um de nós, pelo facto de ocorrerem inúmeras e significativas alterações físicas e psicológicas e pelo aparecimento de doenças, havendo exclusão e desatenção, mais difícil será o encarar e o gerir desta etapa de vida. O próprio idoso, muitas vezes, pensa que não serve para nada”, acrescentou.

marina | NOVUM CANAL

“Os próprios idosos agredidos, não raras vezes, desvalorizam a agressão por temerem a perda do cuidador”

Questionada  sobre de que forma é possível combater este flagelo e as agressões contra as pessoas mais idosas, Marina Ferreira da Silva esclareceu que apenas em 1999 foi criado um Plano Nacional contra a Violência sobre os Idosos.

“Tratou-se de um processo muito lento e de reconhecimento demorado, até porque os próprios idosos agredidos, não raras vezes, desvalorizam a agressão por temerem a perda do cuidador, uma possível colocação numa instituição ou até mesmo pelas represálias ou vergonha da exposição pública da situação. A sensibilização e a consequente prevenção da violência são o grande desafio! É fundamental uma abordagem multidisciplinar através de uma análise de possíveis indicadores, entre os quais: histórico de lesões frequentes descritas pelos seus cuidadores como acidentes; estado nutricional debilitado; falta de higiene; pouco controlo de doenças; confusão mental, não correspondência de relatos, entre outros”, atalhou, realçando que a Constituição da República Portuguesa, nos  Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais refere que todos são reconhecidos direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.

Marina Ferreira recordou que de acordo com a Constituição, a lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias, garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.

Esta especialista garantiu, também, que de acordo com a Constituição, “a privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efetuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos”.

Marina Ferreira da Silva afirmou, também, que o Código Civil / Responsabilidade Civil, no  artigo 483.o (Principio Geral) revela que “aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

“Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na Lei”.

Ainda de acordo com a mestre em psicologia clínica, o Código Penal português tratou de incluir a violência contra idosos no Artigo 152o alínea d), no qual há uma referência às pessoas indefesas em razão de idade.

“O artigo  Artigo 152.o – Maus Tratos e infração de regras de segurança expressa que “Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direção ou educação, ou a trabalhar ao sue serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez e: a) Lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente; b) A empregar em atividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos; É punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”.

“Todos somos chamados a colaborar e a combater este que é e será um grande problema de saúde pública”

Ao Novum Canal, Marina Ferreira da Silva confirmou, também, que para que se inicie o procedimento criminal pelo crime de maus tratos, não é necessário haver queixa do ofendido, pois tem a particularidade de ser um crime público. O Ministério Público tem legitimidade para iniciar o processo.

“Qualquer pessoa que tenha conhecimento de uma situação de maus tratos deve denunciar a mesma, para os funcionários de instituições que prestam serviço a população, a participação é obrigatória (Carreira, 2008).

“Os crimes, segundo o Código Penal Português a que os idosos estão mais sujeitos são Exposição ou Abandono (Artigo 138o do Código Penal (CP)), Ofensa à Integridade Física (Artigos 143o, 144o, 145o, 146o e 148o do CP), Violência Doméstica (Artigo 152o do CP), Maus Tratos (Artigo 152oA do CP), Ameaça (Artigo 153o do CP), Coação (Artigo 154o do CP), Sequestro (Artigo 158o do CP), Escravidão (Artigo 159o do CP), Coação Sexual (Artigo 163o do CP), Violação (Artigo 164o do CP), Violação de Correspondência (Artigo 194o do CP), Furto (Artigos 203o e 204o do CP), Abuso de Confiança (Artigo 205o do CP), Roubo (Artigo 210o do CP), Dano (Artigo 212o do CP), Burla (Artigos 217o e 218o do CP), Extorsão (Artigo 223o do CP) e Violação de Obrigação de Alimentos (Artigo 250o do CP)”, avançou.

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Perante este cenário, a mestre em psicologia clínica da saúde assegurou que estamos perante um problema social grave.

“Gravíssimo! Um flagelo que tenderá a agigantar-se nas próximas décadas. Consumo dizer: ‘Se virem alguma coisa, digam alguma coisa’. Todos somos chamados a colaborar e a combater este que é e será um grande problema de saúde pública”, confessou, sublinhando que a

“A Organização Mundial da Saúde define Envelhecimento Ativo como o processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem, por isso, importa desenvolver ações e iniciativas que efetivamente o promovam junto das instituições, das autarquias locais, como também e não menos importante dos cuidadores e famílias”.

Marina Ferreira da Silva é também membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses.