Estamos atravessar uma crise pandémica, sendo emergente múltiplos olhares sobre a problemática da violência doméstica em tempos de isolamento social e, uma aproximação da psicologia a todos nós numa vertente mais reflexiva. Pese embora que o isolamento das famílias seja necessário para a contenção da COVID-19, é considerado propício ao aumento de comportamentos abusivos nas suas mais variadas formas. A violência doméstica é um dos maiores flagelos da nossa sociedade que afecta diferentes tipos de pessoas e, se tem vindo a tornar numa espécie de epidemia por todo o mundo.
Importa referir que, algumas organizações não-governamentais (ONG) da China reportam números excessivos de casos de violência doméstica que foram silenciados durante a quarentena imposta nesse país. Ou seja, repare-se que é um país que já passou o pico do surto da COVID-19 e que agora partilha com o mundo, que houve um aumento da violência doméstica como consequência do isolamento social. E que ilações podemos nós retirar desta informação que nos chega daqui? Em Portugal, a seguir à fase pandémica, iremos precisar de estar unidos para combater outro vírus, o vírus da violência doméstica!
Por isso, conscientes de que, com o confinamento social, as situações de tensão podem agravar-se e, o que torna estas pessoas mais vulneráveis é o facto de estarem todos no mesmo ambiente, agressores e vítimas! Sublinhe-se que os agressores na sua grande maioria são pouco tolerantes à frustração e ficam mais violentos.
Tenha sempre presente que o amor é aquilo que nós temos de melhor para propor uns aos outros. Se até então, era preciso olhar com mais sensibilidade para as vítimas de violência doméstica, protegê-las e ajudá-las na sua recuperação. Urge, agora uma maior consciência colectiva e especial atenção sobre este fenómeno.
Sabia que o medo da morte e do isolamento são duas das preocupações mais relatadas, no geral, pela população portuguesa, nesta crise pandémica?! As vítimas de violência doméstica e as crianças vítimas de maus tratos infantis, também manifestam essas mesmas ansiedades. Agora, acrescente mais ingredientes! O sofrimento deles é vivido numa proporção muito maior, sem dúvida!
Imagine o que é, por exemplo, uma mulher vítima de violência doméstica lidar com as mesmas angústias que todos nós experienciamos diariamente em relação à COVID-19, que está fechada em casa com o agressor e os seus filhos menores, vulnerável, com um diagnóstico de Depressão anterior a esta crise pandémica, sem independência económica, sem retaguarda familiar; como se de um beco sem saída se tratasse! Encontra-se sozinha a lutar contra dois lobos, contra o Coronavírus, ou seja, confinada ao recolhimento domiciliário a que ele nos obriga e, contra o agressor que a humilha, a agride verbalmente, psicologicamente e fisicamente. É desesperante!
E não vamos agora pensar naquelas vítimas infectadas pela COVID-19 que tiveram internamento hospitalar e que depois desta tortura se depararam com outra realidade igualmente feroz dentro da sua própria casa, que deveria ter o nome de lar doce lar.
Mas, e já pensou na realidade das crianças vítimas de violência doméstica? Quantos lobos maus, será que elas encontram nesta selva pandémica? Elas deixam de perceber o mundo como sendo algo mágico! Será que elas sabem rir, fazer caretas e brincar? Quem será o amigo imaginário delas? Deus? A esperança? Quem será que as reconforta depois de os seus olhos mirarem o lobo mau dentro de quatro paredes? Não deveriam elas saber que as amam incondicionalmente e que a família é o seu porto seguro?! As crianças deveriam saber que nada lhes acontecerá e que são fantásticas!
Estamos igualmente perante outra crise pandémica que é a economia. Os constrangimentos económicos que emergem juntamente com a pandemia, além de, trazerem danos psicológicos, emocionais e dívidas, também propiciam o aumento da violência doméstica. Outro factor de risco que paralelamente se identifica é o refúgio no álcool. Para muitos agressores, o álcool pode parecer a companhia perfeita para lidar com a ansiedade do isolamento social, com o medo de ser infectado com a COVID-19, para esquecer o despedimento/desemprego ou, para lidar com as dificuldades e responsabilidades financeiras que têm ao seu encargo. Desde sempre que, o álcool é apontado como sendo um dos maiores factores de risco na problematização da violência doméstica, principalmente na região do Vale do Sousa e Tâmega, identifica-se uma maior incidência de casos de violência doméstica perpetrados por agressores com consumos de álcool, inclusive em, alguns casos com comorbilidade de comportamentos aditivos.
E quando os agressores têm consumo de drogas, furam a quarentena e vão para a rua fumar um charro, snifar cocaína ou injectar heroína e partilham tudo com outros toxicodependentes? Pois, é de facto preocupante que, esses mesmos agressores tragam da rua o coronavírus para o seio das suas famílias. Como proteger as vítimas de mais uma agressão que é o contágio da COVID-19 por negligência, por descuido e por falta de bom trato?!
Importa ainda reflectir aqui o seguinte, antes do surgimento desta pandemia da COVID-19, eram organizadas milhares de manifestações de rua e de sensibilização em prol da luta contra a violência doméstica. Por exemplo, agora, é mais difícil nos unirmos de forma aglomerada fisicamente na rua, mas, tornou-se numa missão mais simplificada em que todos temos a responsabilidade de participar activamente com um basta “ficar em casa”. Se ficar em casa, estaremos todos unidos a criar o melhor movimento contra a violência doméstica! Acredite que, quanto mais cedo cumprirmos o isolamento social, mais cedo a curva epidémica fica “achatada” e, mais depressa iremos todos sair do recolhimento domiciliário, concomitantemente, estas vítimas deixam de estar entregues ao terror de outro vírus que é o agressor.
Se precisar de ajuda ou tiver conhecimento de alguma situação de violência doméstica, denuncie ligando para o 800 202 148 (ou junto das autoridades policiais). Combine com a vítima um código de emergência (sinal, gesto, palavra, objecto na janela). Sensibilizo-a/o para que fique atenta/o a todos os sinais de violência e, deixo-lhe um alerta muito importante, nunca confronte o agressor!
Se for uma vítima e tiver medo de denunciar saiba que pode escrever quando não poder falar, enviando uma mensagem para a Linha SMS 3060. Posteriormente apague as SMS e E-mails que enviar. Estes serviços de apoio são gratuitos, estão disponíveis 24 horas por dia, funcionam 7 dias por semana, e será tudo tratado de forma anónima e confidencial a pensar na sua segurança. Se sentir que a sua vida está em risco contacte imediatamente o 112 e ensine as crianças a decorar e a marcar este número. Lembre-se que estamos todos consigo durante o isolamento. Fique o mais segura/o possível durante o isolamento, vá mantendo contacto com a família, amigos e vizinhos pelo telemóvel e pelas redes sociais.
Vamos ajudar Portugal a ficar em segurança e, lutar contra o outro vírus que é a violência doméstica. Bem haja!
Artigo de opinião por, Dra Goretti Moreira – Psicóloga